O leva e traz da terra distante

O Filho Pródigo, Gerard van Honthorst em 1623
Passados não muitos dias, o filho mais moço, ajuntando tudo o que era seu, partiu para uma terra distante e lá dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente. Lucas 15.13

Já nos referimos nesse blog à fuga do filho pródigo para a terra distante e falamos também dos motivos que, presumivelmente, o levaram a fazê-lo (A terra distante). Contudo, não fizemos qualquer esforço para identificar, mapear ou mesmo analisar a terra distante e tampouco os seus moradores. Diante de uma omissão com esse grau de gravidade poderíamos muito bem pensar que essa terra era um lugar que fez mal ao pobre-rico herói da parábola de Jesus, porém, pensado assim vamos pensar errado.

À primeira análise ela nos parece uma terra de prostitutas e de bêbados. Se tivéssemos que escolher um nome para dar a terra distante dentre as cidades citadas pela Bíblia hesitaríamos entre duas apenas: Sodoma ou Gomorra, mesmo que elas já não existissem mais, porque essa é a impressão que temos das cidades da campina, como são chamadas. Para nós Sodoma, Gomorra, Admá, Zeboim, Bela e a cidade para onde o filho pródigo fugiu são cidades inexoravelmente condenadas e para as quais não haverá qualquer perdão no Dia do Juízo Final.

Não podemos detalhar muito da terra distante, mas sabemos com certeza que as dificuldades de se viver na campina ao sul do Mar Morto eram enormes. Qualquer povo que quisesse sobreviver naquela região teria que ser muito ativo e muito criativo, pois as condições do terreno são tremendamente inóspitas. Para os seus habitantes não deveria sobrar muito tempo para a prática da devassidão e da luxúria. Basta vermos que até mesmo as Cracolândias brasileiras não sobrevivem isoladamente. Elas precisam de um apoio de fora para sobreviver. Mas também não podemos ser inocentes ao ponto de descartar a ideia de que algum atrativo havia nelas, caso contrário Ló, sua família e o filho pródigo não teriam sido atraídos por elas.

Bem, entre os prós e contras o que podemos deduzir da terra distante? Vamos começar pelos contras, pelo mal que a terra distante causou ao pródigo. Parece que não havia nela leis rígidas que disciplinassem um estrangeiro mal intencionado. Parece ser um lugar onde quem tem grana pode tudo. Alguns dos nossos deputados, senadores governadores e presidentes conhecem bem terras assim e que para eles não são nada distantes. Eles têm tanto os seus tesouros quanto os seus corações lá. Eles hoje os chamam de paraísos fiscais.

Parece também que havia muita gente disposta e pronta para oprimir, escravizar e explorar qualquer um ao sinal do primeiro deslize. Quem sabe a economia da região não se baseasse justamente nisso: na captação de recursos externos sem o compromisso de retorno e na exploração de mão de obra de imigrantes?

Temos que ver agora os prós, ou seja, o mal que o pródigo causou às pessoas da terra distante. Com quase que certeza absoluta podemos afirmar que ele lá deixou filhos que nunca o reconhecerão como pai. Podemos concluir também que algumas mocinhas foram expulsas de suas casas e que alguns rapazes foram atraídos à devassidão pela sua influência negativa. Isso tudo, sem contar os negociantes que não receberão jamais as dívidas deixadas por ele.

Para encerrar a conta vamos fazer o balanço, mas para isso precisamos fazer duas perguntas: Haveria uma terra distante sem um filho pródigo? Haveria um filho pródigo sem uma terra distante? A primeira pergunta não colabora muito com a nossa meditação, mas a segunda é fundamental. Independentemente de existir ou não terras distantes, paraísos ficais ou outros atrativos e facilidades, existe dentro de nós a tentação pelo uso até a exaustão dos recursos. Nós não temos que nos perguntar, como o pródigo, o que fazer quando o dinheiro acabar e sim o que vamos fazer quando os recursos das terras próximas e das terras distantes acabarem? Para onde iremos fugir da nossa devassidão com os recursos naturais? O que iremos comer quando o último peixe do mar for pescado? 

Santo Agostinho depois de analisar todas as rotas de fuga possíveis nos alertou dizendo o seguinte: Ainda que fujas do campo para a cidade, ou da rua para a tua casa, a tua consciência vai sempre contigo. Da tua casa só podes fugir para o teu coração. Porém, para onde fugirás de ti mesmo?

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