Ana e Penina, por Jose Peréz Montero |
Um dia o seu marido
Elcana lhe perguntou: - Ana, por que você está chorando? Por que não come? Por
que está sempre triste? Por acaso, eu não sou melhor para você do que dez
filhos? I Sm 1.8
Apesar de todo o histórico detalhando o conturbado triângulo
amoroso estabelecido entre Elcana e Ana, pais de Samuel, e Penina, a segunda
esposa, e apesar também da indisfarçável preferência do escritor bíblico por
Ana, o que realmente transparece nesse texto é o superestimado conceito que o
homem faz de si e da sua importância nas relações humanas, sejam elas
familiares ou não.
Por mais que seja sabido que as verdadeiras mães sempre irão
tender para o lado dos filhos quando tiverem que fazer qualquer escolha entre
eles e o pai, a pretensão masculina neste texto se mostra multiplicada por dez. Isso
deveria nos fazer pensar em toda a série de implicações que alguns outros textos
bíblicos vêm causando ao longo da história, principalmente no que diz respeito
à discriminação da mulher em todos os segmentos de todas as sociedades.
Não basta que dos quase mil e quinhentos personagens citados
na Bíblia, menos de dez por cento deles sejam mulheres. Não basta também que
elas sejam flagrantemente as figuras mais execradas da Bíblia. Há de se notar
que no quesito iniquidade, nem mesmo Judas Iscariotes conseguiu superar as
transgressões de Jezabel, Dalila, Salomé ou mesmo de Eva. Se alguém ainda tiver
dúvidas que consulte Juízes 4 e veja se o assassinato mais bárbaro narrado nas
Escrituras não é o cometido por uma mulher, Jael, que crava impiedosamente um
prego na cabeça de Sísera, um homem que dormia tranquilamente em sua tenda. Nem
precisamos nos lembrar de que dos cinquenta mil processos da Santa Inquisição registrados pela igreja, quase oitenta por cento eram contra mulheres.
Parece que desde sempre este é um conceito que existiu entre
nós, porque até mesmo as mulheres que grandemente foram usadas por Deus, a
história se incumbiu de criminalizá-las de alguma forma. Por um simples decreto
papal, o santificado Gregório Magno, fez com que Maria Madalena fosse
transformada de discípula número um de Jesus na prostituta que lavara os seus
pés com lágrimas, quando na verdade os evangelhos não faz a menor associação
entre essas duas mulheres, como também não dão a menor margem para essa interpretação.
Se hoje em dia não temos mais as mulheres como as supervilãs
do evangelho e nem como a tentação máxima personificada, como eram as mulheres
para santo Agostinho, em contrapartida temos muitas igrejas que mantêm aceso o
preconceito quanto à sua ordenação ao ministério pastoral. O mais curioso de
tudo é que em todos os seminários renomados podemos ter mulheres influenciando
diretamente na formação, na graduação e na pós-graduação de pastores, teólogas
iminentes que nada mais precisam provar. Temos, na Escola Dominical, um número quase que totalitário de mulheres ensinando aos nossas crianças e adolescentes os fundamentos da fé cristã. Temos também mulheres nas bancas
examinando teses teológicas de profunda complexidade. Tudo isso nós aceitamos, mas para
pregar nos cultos para um grupo de leigos mal informados, aí só aceitamos
homens.
O pai de Samuel consolidou bem uma escola quando se
pronunciou com arrogância ser mais importante, mais agradável e mais valioso,
não do que dez pessoas simplesmente, porém, mais importante, mais agradável e
mais valioso do que dez filhos. A tristeza, a apatia e o choro de Ana estavam
aí justificados. Talvez a sua esterilidade não a incomodasse tanto quanto a
presença de um marido prepotente dentro de casa.
Por que i,maginamos que isso não incomoda as mulheres na igreja de hoje? Melhor
perguntando: por que esta mesma discriminação ainda persiste em uma igreja onde a esmagadora
maioria dos membros é composta por mulheres, onde elas são os membros mais
participantes e mais presentes, onde são os contribuintes mais voluntários e a
mão de obra mais confiável?
No evangelho Jesus designa um cargo que está muito acima de todas as atuais invencionices clericais, tais como:
apóstolo, missionário, bispo primaz ou mesmo Papa. A comissão de pregar a sua
ressurreição, o fator mais decisivo de toda a história da salvação, pela
primeira vez foi designada a uma mulher: Maria Madalena. Não nos enganemos, para
dar boas novas desse quilate Deus não escolhe nem mesmo os ministros mais
consagrados. Deus, na sua infinita sabedoria, escolhe apenas anjos, e é esse o cargo que Jesus confere à sua discípula número um.
Nenhum comentário:
Postar um comentário