Sonho de Pedro, Domenico Fetti em 1619 |
Texto baseado em um diálogo com o rev. Jonas Rezende.
Na concepção dos antigos o sonho punha a pessoa em contato com o mundo dos deuses, dos espíritos e do sobrenatural, sendo que muitas vezes eram considerados como revelação do futuro ou de coisas ocultas. Também em Israel os sonhos eram muitas vezes considerados como presságios e outras vezes como exortação ou aviso da parte de Deus.
A Bíblia poucas vezes tenta explicar o seu aspecto psicológico, como fez o Eclesiastes 5.2s: Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas palavras. Porque dos muitos trabalhos vêm os sonhos, e do muito falar, palavras néscias. Por motivos diferentes a antiguidade vê neles também a possibilidade de uma manifestação da personalidade profunda. Essas duas perspectivas não são incompatíveis, pois se Deus age, através do íntimo do ser humano que age.
Os povos anteriores a Israel e seus vizinhos contemporâneos viam nos sonhos possibilidades múltiplas, daí a terem muitos intérpretes a serviço dos seus reis. A lei de Moisés, no entanto, era severa no combate aos profetas sonhadores que seduziam o povo a apostatar. Por conta disso, em Israel, não parece ter havido intérpretes oficiais de sonhos. Jeremias denunciava os profetas que falavam dos sonhos dos seus corações como se fossem Palavra de Deus. Por outro lado, Deus também se revela aos profetas em sonhos, e em outros textos os sonhos são considerados como enviados por Deus. Mas como os sonhos eram obscuros só podiam ser interpretados por sábios, magos e adivinhos. Em Israel tudo isso era abominação, portanto, explicar sonhos era uma prerrogativa divina que alcançava a pessoa como um dom, ou como uma manifestação do Espírito de Deus.
Como o plano original de Deus para o seu povo já havia sido dado a conhecer previamente aos patriarcas, uns poucos acertos pontuais se faziam necessários. Os sonhos de Daniel, Zacarias e Joel apenas vêm confirmar o que já havia sido prometido: Jl 2.28 - E acontecerá, depois, que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões.
A reflexão mais profunda sobre a profecia fazia com que os profetas verdadeiros fossem distintos dos falsos. Com os sonhos acontecia a mesma coisa. Ainda assim, em tempos mais próximos o sonho deixou de ter relevância. A Bíblia não faz citação de sonhos durante a fase madura do profetismo. Apenas a palavra profética tinha peso, pois era a forma mais objetiva com que Deus se revelava ao seu povo.
O Segundo Testamento não fala de qualquer sonho de Jesus, mesmo porque nele o Pai é revelado sem intermediários. Mas ainda assim eles estão presentes. No Pentecostes, Pedro anuncia a realização da profecia sonhada por Joel, de como o Espírito se revelará nos últimos dias. Este apóstolo tomou ciência da necessidade de pregar o evangelho aos gentios através do conhecido sonho do lençol que desce dos céus repleto de alimentos considerados impuros.
O Livro dos Atos dos Apóstolos fala detalhadamente das visões noturnas de Paulo e de como essas manifestações o confortaram, o reanimaram e o guiaram no seu ministério. Mas estranhamente não transmite qualquer ensinamento ou doutrina. Até mesmo a sua grande experiência sobrenatural narrada em II Co 12, após quatorze anos ainda lhe era um mistério. Mateus também se vale dos sonhos para relatar algumas revelações, tais como: a maternidade de Maria, a prevenção aos magos contra Herodes e o inquietante sonho da mulher de Pilatos: Mt 27.19 - E, estando ele no tribunal, sua mulher mandou dizer-lhe: Não te envolvas com esse justo; porque hoje, em sonho, muito sofri por seu respeito.
A Bíblia conhece assim esse modo de revelação que Deus empregou nos velhos tempos. Neles, ela vê uma revelação destinada a esclarecer sua vontade ao indivíduo, que não por poucas vezes poderia ser um pagão. É essa revelação, que subordinada à sua Palavra, se dirige a igreja de hoje. Uma revelação que se manifesta por excelência na pessoa de Jesus, o Cristo.
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