Ação de graças I

Olhai os lírios do campo, Tiffany Studio, 1910
Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Mateus 6;31ss

A tragédia maior da vida não é a falta de saúde, de dinheiro ou de beleza. Não é a falta de grandes habilidades, o desapontamento com o casamento ou o emprego cansativo. Por mais dolorosas que essas coisas sejam, a tragédia maior da vida ainda é outra: é o desaparecimento gradual da visão que tínhamos na juventude. É a morte daquele espírito de surpresa e entusiasmo que possuíamos quando criança. A mágoa que toma conta da gente é a morte daquele gozo profundo no mundo e na vida. É a morte do coração puro, da fé confiante, da alegria divina que efervescia dentro de nós.”

Acabei de transcrever o que um autor desconhecido escreveu, e o que penso ser bastante negativo. Ainda sob o impacto da celebração do Dia Nacional de Ação de Graças, eu gostaria de usar o pessimismo dessa pessoa para confirmar o ato de gratidão que nós, os cristãos protestantes, celebraram no culto de ontem à noite. Primeiramente damos graças a Deus porque a fé cristã nos desafia a possuir o espírito de surpresa e entusiasmo que tínhamos quando criança.

A criança é um ser espetacular. Para ela a vida é um jogo, e um jogo interminável. Rapidamente o tapete vira um barco, a cadeira se transforma numa fortaleza, e tudo acontece numa viagem de fantasia e pretensão. Quem já teve a oportunidade de andar com uma criança na rua por um tempo sabe bem disso, mas sabe também que é preciso muita paciência e tempo. O caminho pode não ser longo, mas vai levar bem mais tempo que o normal, pois ela para para ver uma formiga, para pegar uma flor para nos mostrar, e se tiver uma poça d’água então, não sairemos dali enquanto ela não pular de um lado para o outro pelo menos umas 10 vezes. Crianças são naturais com suas professoras, com suas amigas e com todo mundo. Elas relatam para qualquer um a conversa mais íntima que a família jamais se pensou que seria revelada em público. Elas não aprenderam como escamotear os fatos nem a fingirem que eles não aconteceram.

Jesus disse que devemos aprender com elas, pois somos sérios demais. Estamos sendo consumidos pelas responsabilidades. Já nos esquecemos de como é bom dar uma boa gargalhada, de como assobiar uma música que gostamos, de rir de nós mesmos quando erramos. O rev. Garison era muito criticado pela sua maneira de brincar com tudo. No meio da mensagem mais dura, quando falava sobre a teologia mais séria, ele fazia sempre uma piada. Igual a todos que assim são, ele angariou inimigos ferrenhos. Se ele fosse levar a sério as críticas que recebi teria que abandonar de vez o seu ministério. Certa vez, um dos seus críticos lhe escreveu uma carta que estava escrito somente a palavra idiota. No domingo seguinte ele falou à igreja sobre a carta sem dizer o conteúdo dela. Disse apenas: recebi esta semana uma carta diferente de todas as outras. Já recebi cartas em que os autores escreveram o texto, mas se esqueceram de assinar seus nomes. Nessa, o autor se esqueceu de escrever o texto. Assinou apenas o seu nome. Vou deixá-la aqui para que ele a conserte. Esse é o espírito que de uma criança. Assim ela agiria nessa situação.

Em segundo lugar agradecemos a Deus por esse nosso mundo. Está certo que ele tem muita coisa nessa vida que eu não gosto. Existe muita coisa que eu detesto. Mas mesmo assim, após as várias tentativas frustradas de melhorá-lo, eu agradeço por estar vivo. É glorioso viver. É bom levantar todo dia e reconhecer que Deus está conosco. Eu estou cada vez mais convicto de que a marca maior do Cristianismo é a alegria da comunhão. Quando vocês me virem de cara feia e emburrada podem ter a certeza de que minha fé está em baixa. A prova de que eu estou bem com Deus e com os outros é a alegria.

A coluna aberta de um jornal apresentou a seguinte carta de uma adolescente: a felicidade está no conhecimento de que seus pais não vão lhe matar se você chegar em casa tarde. A felicidade está em ter o seu próprio quarto. A felicidade está na confiança que seus pais têm em você. A felicidade está em receber aquele telefonema que você estava esperando tanto. A felicidade está em ter pais que não brigam. A felicidade é algo que eu não tenho. E a assinou assim: quinze anos e infeliz. Mais interessante ainda foi a resposta que apareceu pouco tempo depois nesse mesmo jornal: a felicidade está na capacidade de andar, e está no poder de ver. A felicidade está na capacidade de falar e no poder de ouvir. A infelicidade está na carta de uma moça que pode fazer todas essas coisas e ainda diz que é infeliz. Eu posso falar, eu posso ver, eu posso ouvir, mas eu não posso andar. E a assinatura foi a seguinte: treze anos e feliz. (continua)

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