Três níveis de compromisso

Santos Simão e Judas, Federico Barocci (1528-1612)
Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos, disse-lhes: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Marcos 8.34

O círculo de relacionamentos de Jesus era composto de três níveis distintos: aqueles a quem os evangelhos chamam de multidão, os discípulos que o acompanhavam mais de perto e os deixaram tudo para segui-lo, a estes últimos Jesus chamou de apóstolos, que é a palavra grega para enviado. Pode até parecer que estou tentando mostrar uma imagem forjada, mas consigo perceber que esta realidade, além de estar ainda presente na igreja hoje, pouco mudou a sua forma e conteúdo. Meu pai dizia que o mundo é uma carroça, uns puxam outros empurram, mas a maioria quer estar dentro da carroça e ser puxada ou empurrada.

Se quisermos estabelecer uma rápida comparação, diríamos que a multidão era composta por aqueles que estavam dentro da carroça. Um grupo que provocou em Jesus as mais complexas reações, que lhe causou os mais variados sentimentos e que o tratou de diversas e distintas maneiras. Se em uma ocasião a multidão foi rechaçada por Jesus pelo fato de segui-lo apenas por interesses pessoais, em outra, dela se compadeceu quando a viu como um rebanho que não tinha pastor. Por sua vez, a multidão devidamente motivada tentou fazer dele um rei, exaltou a sua entrada em Jerusalém, para logo em seguida vociferar pedindo a sua crucificação. Pode ser que igreja alguma se atreva a pedir a crucificação de Cristo novamente hoje. Todavia, o que se pode observar é que em poucos lugares o seu nome é aviltado em uma escala que nem os pagãos que não creem nele conseguem fazê-lo. A carroça é assim mesmo: é levada para onde a combinação de forças se propõe levá-la.

Mas há também aqueles que empurram a carroça, e para caracterizar melhor este grupo, diríamos que são aqueles que empurram com a barriga. Aqueles que levam o evangelho a toque de caixa. Aqueles para quem o evangelho é um estilo de vida, honestidade, mansidão, sobriedade, paciência e retidão pessoal. É tudo, menos a ação Deus radical que veio para transtornar este mundo. Estes são aqueles que seguiam Jesus de perto, mas não perto o suficiente para ser identificado como alguém quem realmente andava com ele. Testemunharam os milagres de Jesus que acontecerem na vida de muitos, mas não testemunharam com as próprias vidas o que Jesus fez por eles. Estes não foram perseguidos, não colocaram as suas vidas em risco, não perderam coisas valiosas em favor do evangelho. Tenho que confessar que me identifico bastante com este grupo.

Mas felizmente existem aqueles que largaram tudo para, com as mãos livres de ambições e desejos, puxar atrás de si o evangelho juntamente com todos os seus encargos. É justamente sobre estes que a igreja se estabelece. São estes raros seguidores de Jesus, que nem sempre necessariamente levam o seu nome, que alavancam o progresso do Reino de Deus na terra. São esses os que deixaram tudo para seguir o ideal proposto por Jesus, que rechaçaram todas as facilidades, que tomaram sobre si a pesada cruz e que tentam de todas as maneiras fazerem com que suas vidas tenham sentido além de uma simples existência.

Estes são aqueles que pareiam com os heróis da fé de Hebreus 11, a quem a Bíblia chama de homens e mulheres de quem o mundo não é digno. Neste dia em que a Igreja Católica homenageia os dois apóstolos Simão e Judas, figuras completamente apagadas da memória de outros cristãos, eu queria render esta homenagem a todos os apóstolos sem nome, aos exorcistas estrangeiros, aos anônimos da fé, que muito mais do que pretensas celebridades tem levado Deus a sério, que levaram os seus compromissos até as últimas consequências, e que tem assumido o evangelho não como uma opção, mas como a única forma de garantir um futuro viável às próximas gerações. 

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