Comentários a uma parábola

Fariseu e o publicano,  Barent Fabritius em 1661
A verdadeira oração 
Texto extraído do livro "O avesso é o lado certo: círculos bíblicos sobre o Evangelho de Lucas". Autores: Pe. Carlos Mesters e Mercedes Lopes.

No texto de hoje, Jesus fala sobre uma parábola, na qual o avesso é o lado certo. Ela mostra que Jesus tinha outra maneira de ver a vida. Jesus conseguia enxergar uma revelação de Deus lá onde todo o mundo só enxergava coisa ruim. Por exemplo, ele via algo de positivo no publicano, de quem todo mundo dizia: "Ele nem sabe rezar". Jesus vivia tão unido ao Pai pela oração, que tudo se tornava expressão de oração para ele. Acompanhe o texto.

SITUANDO
Neste texto, Jesus trata da oração. É a segunda vez que Lucas traz palavras de Jesus para ensinar como rezar. Na primeira vez (Lucas 11,1-13), ensinou o Pai-Nosso e, por meio de comparações e parábolas, ensinou que devemos rezar com insistência, sem esmorecer (cf. Lucas 18,1-8). Agora, nesta segunda vez, ele recorre à parábola tirada da vida para ensinar sobre a humildade. A maneira de apresentar a parábola é muito didática. Primeiro Jesus faz uma breve introdução que serve de chave de leitura. Em seguida, conta a parábola. No fim, o próprio Jesus faz a aplicação, mostrando que o avesso é o lado certo.

COMENTANDO
Lucas 18,9-14: o fariseu e o publicano
Lucas 18,9: A introdução
A parábola é introduzida com a seguinte frase: "Contou ainda esta parábola para alguns que, convencidos de serem justos, desprezavam os outros!" A frase é de Lucas e se refere, simultaneamente, ao tempo de Jesus e ao tempo do próprio Lucas, em que as comunidades da tradição antiga desprezavam as que vinham do paganismo.

Lucas 18,10-13: A parábola
Dois homens sobem ao Templo para rezar: um fariseu e um publicano. Na opinião do povo daquela época, um publicano não prestava para nada e não podia dirigir-se a Deus, pois era uma pessoa impura. Na parábola, o fariseu agradece a Deus por ser melhor do que os outros. A sua oração nada mais é do que um elogio de si mesmo, uma autoexaltação das suas boas qualidades, um desprezo pelos outros. O publicano nem sequer levanta os olhos, bate no peito e apenas diz: "Meu Deus, tem dó de mim que sou um pecador!" Ele se coloca no seu lugar diante de Deus.

Lucas 18,14: A aplicação
Se Jesus tivesse deixado o povo dizer quem voltou justificado para casa, todos teriam dito: "É o fariseu". Jesus, no entanto, pensa diferente. Quem voltou justificado, isto é, em boas relações com Deus, não é o fariseu, mas sim o publicano. Novamente, Jesus virou tudo pelo avesso. Muita gente não deve ter gostado da aplicação que Jesus fez desta parábola.


Quem se exaltar será humilhado
Pe. Marcel Domergue
Os dois homens ocupam lugares diametralmente opostos no decorrer da parábola. A primeira oposição é quanto ao status social, como vimos. O fariseu introduz uma segunda oposição, no domínio da moralidade e da credibilidade. Uma terceira oposição é a oração do publicano que não tem nada a ver com a do fariseu. Por fim, tudo termina na antinomia do par justificado-não justificado, reforçada pela do par humilhado-elevado.

Ora, qual é o fruto da vinda do Cristo entre nós? A constituição de um Corpo no qual cada um é solidário com todos os outros, um corpo que se mantém unido pelo amor. Quando falamos em "comunhão dos santos", queremos dizer que o valor da vida vivida por Pedro pertence a Paulo, que tudo é comum, que ninguém pode apropriar-se do "bem" que pratica. A ação de graças do fariseu era falaciosa: apropriava-se do bem praticado, enquanto a verdadeira ação de graças consiste em desapropriar-se. Assim, em vez de se fazer um só com os "outros homens", o fariseu distinguiu-se deles, pôs-se à parte, fora do Corpo dos "justificados".

Por querer guardar para si os próprios méritos, tornou-se incapaz de fazer seus, os "méritos" de um outro: o Cristo. O que vai ainda mais longe: ao comparar-se com os outros, com o publicano particularmente, o fariseu fez um julgamento, pronunciou-se sobre o seu próprio valor e o valor dos outros. E ao fazer isto tomou o lugar do juiz, ocupou o lugar de Deus. Deus, no entanto, é o único que poderia justificá-lo.


A piedade correta
Pe. Jaldemir Vitório

A parábola do fariseu e do publicano aponta para dois diferentes tipos de piedade, representando posições extremas. O discípulo do Reino deve decidir-se pela maneira correta de agradar a Deus, evitando os caminhos enganosos. 

A piedade farisaica, baseada na prática cotidiana da Lei, em seus mínimos detalhes, tinha seus defeitos: era cheia de orgulho, uma vez que levava a pessoa a olhar com desprezo para os considerados pecadores e incapazes de perfeição; pregava a segregação das outras pessoas, por temor de contaminação. Os fariseus julgavam-se com direito de exigir de Deus a salvação, em vista dos méritos adquiridos com sua vida piedosa. 

A piedade do povo simples e desprezado, como o cobrador de impostos, tem outros fundamentos: a humildade e a consciência das próprias limitações e da necessidade de Deus para salvá-lo, a certeza de que a salvação resulta da misericórdia divina, sem méritos humanos, o espírito solidário com os demais pecadores que esperam a manifestação da bondade de Deus.

A oração do fariseu prepotente e egoísta dificilmente será atendida. É uma oração formal, da boca para fora. Já a oração do publicano é totalmente humilde, porque ele reconhece que sua salvação vem de Deus. Só a oração sem estardalhaço é ouvida! 



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