O que é RESTO?

Destruição de Jerusalém, das Crônicas de Nuremberg (1493)
Entre a promessa de Deus de uma grande descendência a Abraão e a certeza de Paulo que Deus quer que todos os homens sejam salvos, existe a instigante profecia de Amós: Assim diz o Senhor: Como o pastor livra da boca do leão as duas pernas ou um pedacinho da orelha, assim serão salvos os filhos de Israel que habitam em Samaria com apenas o canto da cama e parte do leito. Esta, que os teólogos chamaram de Teologia do Resto de Israel, é um constante desafio às mentes daqueles que leem a Bíblia com a mesma reverência com que ela foi escrita. A palavra resto quer dar a dimensão exata das proporções de uma catástrofe, em que não sobra nada, senão um resto ou um toco de arvora, como diz Isaías: Mas, se ainda ficar a décima parte dela, tornará a ser destruída. Como terebinto e como carvalho, dos quais, depois de derribados, ainda fica o toco, assim a santa semente é o seu toco. Este tema não surgiu ao acaso, mas sim depois das desgraças do século IX a.C., e tem também a sua pré história de recomeço no Dilúvio.

Antes da queda de Samaria, em 722 a.C., os profetas de então já anunciavam que da parte de Deus viria um juízo que funcionaria como uma peneira que deixariam passar os iníquos e reteria os justos, porque para participar da santidade de Deus o homem teria que passar pelo fogo que destruiria os ímpios depuraria os retos. Contudo, pouco antes do exílio babilônico em 586 a.C., Jeremias aprofunda a doutrina do resto de Israel e dá-lhe um novo sentido. Para ele o resto não será composto por aqueles que ficaram na Terra Santa, e sim pelo grupo que foi deportado, pois são estes em quem Deus deposita a sua confiança. Já não os chama mais de resto, são agora os figos bons da cesta, aqueles que ainda podem ser aproveitados. Assim diz o Senhor, o Deus de Israel: Como a estes bons figos, assim também conhecerei aos de Judá, levados em cativeiro; os quais enviei deste lugar para a terra dos caldeus, para o seu bem. Notem que para este profeta o exílio tem uma dimensão boa e renovadora, pois Deus fez nascer da desgraça maior do povo judeu um renovo para o benefício de toda a terra. Os textos proféticos depois deste exílio vão ainda mais longe que Jeremias. O resto de Israel não será composto apenas pelos judeus que voltaram do exílio, nele serão introduzidos também os pagãos: E porei entre eles um sinal, e os que deles escaparem enviarei às nações, a Társis, Pul, e Lude, flecheiros, a Tubal e Javã, até às ilhas de mais longe, que não ouviram a minha fama, nem viram a minha glória; e anunciarão a minha glória entre os gentios.

No Segundo Testamento esta doutrina ainda está bem viva na pregação de João Batista, principalmente a ideia de toco, pois para João o machado continua à raiz da arvore. Para ele, nada adianta fazer ares de arrependimento. Se não houver conversão real, de nada adiantará ser descendência de Abraão, pois Deus pode das pedras suscitar descendentes da promessa. Os frutos do arrependimento devem estar presentes em todas as classes, desde o mais simples homem que possui duas capas ao cobrador de impostos. Os evangelistas o acompanham na tendência que faz apelo pelo social: Vendei o que tendes, e dai esmolas. Fazei para vós bolsas que não se envelheçam; tesouro nos céus que nunca acabe, aonde não chega ladrão e a traça não rói. Porque, onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração. E insistem em dizer que os judeus renegaram a salvação de Deus: Veio para os que eram seus, mas estes não o receberam. 

Paulo traz definitivamente para o Cristianismo a herança do resto: Assim, pois, também agora neste tempo ficou um remanescente, segundo a eleição da graça. O resto de Israel são os que creem em Cristo, o resto de Israel é a Igreja. O sentido profundo do plano de Deus que continua na ação da Igreja é muito bem detalhado por Paulo na Carta aos Romanos. Graças à fidelidade da Igreja, as promessas feitas a Abraão continuam vigentes. Neste resto será manifestada toda a gratuidade da eleição de Deus, mas permanecerá também a certeza de que o único justo deputado pelo fogo e retido pela peneira é o Messias por Deus enviado, e que é pelos méritos dele que alcançamos essa graça. Assim se conciliam exigências aparentemente contraditórias. De um lado a exclusão pelo pecado e seu consequente castigo, do outro a fidelidade à promessa, que o pecado não tem como nem porque contestar, uma vez que o seu preço foi pago integralmente na cruz do Calvário.  

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