O que é DESERTO?

Moisés tira água da pedra, Tintoretto
Na Bíblia deserto tem vários significados conforme se pense em um lugar geográfico ou numa época privilegiada da história da salvação. No primeiro caso, deserto é uma terra que Deus não abençoou. Ali a água é rara e a vegetação é rasteira, o que torna a vida impossível. Fazer de um país um deserto é fazê-lo voltar ao caos original. É o lugar onde, segundo os profetas, Israel mereceria estar pela imensidão dos seus pecados. Supunham os antigos que no deserto habitam os demônios, as bestas feras e todos os amaldiçoados, totalmente privados da bênção de Deus. Sob este ponto de vista, Deus os tirou da servidão onde comiam panelas de carne e os fez passar pelo deserto, para fazê-los dignos da terra que mana leite e mel. Mas não se pode confundir o simbolismo bíblico da aridez permanente com o da provação ocasional.

Na lembrança da travessia do deserto temos três elementos predominantes:

O plano de Deus. É o caminho que foi escolhido por Deus e não o mais curto. É esse povo errante do Deserto que Deus o faz seu, pode habitar em qualquer lugar da terra, mas nasceu no deserto, num período mágico nunca mais reprisado.

A identidade do povo. O caminho de Deus nada tinha de comparável ao Egito, onde não faltavam segurança e alimentação. Era o caminho da fé pura naquele que guiava Israel. Por isso era preciso decidir entre as panelas de carne na escravidão do Egito, ou o maná minguado que é tudo que a liberdade tem para oferecer. O deserto se torna o coração do homem diante da provação.

O triunfo da misericórdia. Passa a geração da infidelidade e da falta de confiança, mas não passa a idolatria e a iniquidade. Deus, fiel ao seu plano, oferece-lhes meios impensáveis de salvação: água que jorra da pedra, serpente de bronze, nuvem de codornas. Esse é o tempo que nos permite ver o quanto somos infiéis e o quanto Deus é misericordioso, se antecipando à nossa rebeldia e levando a bom termo o seu plano.

Enquanto as comunidades essênicas pregavam uma fuga para o deserto, Jesus faz dele apenas um lugar para avaliar as prioridades do seu ministério. Contudo, diversamente aos seus antepassados, ele vence as provações preferindo a Palavra de Deus ao pão, o contato individual ao espetáculo e a adoração a Deus às riquezas. A prova que havia fracassado no deserto encontra o seu sentido: Jesus é o primogênito em quem se realiza o plano de Deus no deserto.

Mas Cristo está presente também no nosso deserto. Jesus ensina que aquele que ora deve refugiar-se no deserto, longe da multidão, para o melhor proveito da oração. No deserto é que ele há de encontrar a água viva, o pão do céu, a luz na noite e a serpente que é erguida para sua salvação. Em certo sentido podemos dizer que Cristo é o nosso deserto, pois nele superamos a provação e nele temos comunhão direta com Deus. Podemos pensar no deserto como um lugar e como um tempo que embora impalpáveis são mais reais que a própria realidade.

Devemos fazer isso sem perder a perspectiva de que o deserto é o lugar onde a igreja nasceu, onde está vivendo e onde aguarda ansiosa a plenitude do Reino que porá um fim definitivo a todas as tristezas e decepções. O que não se deve fazer é pensar este deserto sob uma visão individualista ou sectária. Este é o deserto onde Deus faz brilhar o sol sobre justos e injustos, faz cair a chuva sobre maus e bons e alimenta com pães e peixes indistintamente a todos da multidão. Embora vivamos sob a insistente pregação de que estamos vivendo o final dos tempos, não podemos esmorecer no trabalho para o qual fomos chamados, pois na visão de Jesus, o Pai trabalha até agora, e não há motivo algum para que nem ele e nem nós não trabalhemos também. A vida continua sob este signo da provação. Enquanto não entramos no sábado eterno, lembre-mo-nos sempre das lições do povo de Deus no deserto: Se hoje ouvirdes a sua voz não endureçais o vosso coração como foi na provação do deserto. Hb 3,15

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