O que é PROFETA? I

S. João Batista, Titian (1490-1576)
Em todo o antigo Oriente existiam pessoas praticando magias e adivinhações, por se julgarem capazes de receber mensagens das divindades. Mas em Israel o profetismo ganha uma dimensão que torna único o seu caráter. Desde Abraão, que foi chamado de profeta postumamente, o profetismo ocupa a grande maioria dos escritos bíblicos, estando presente durante toda a história da salvação. Tido pelos judeus como maior profeta até hoje, Moisés inaugura oficialmente esta prática, recebendo de Deus não revelações futurísticas, mas orientações consistentes para o momento presente e que se estenderiam pela eternidade. Desta perpetuação os discípulos dos profetas ficaram encarregados, porém, foi através dos escritos genuinamente seus ou das narrativas do seu ministério profético que o mundo os conheceu.

O profetismo tem um lugar importante na comunidade de Israel, pois ao lado do rei e do sacerdote, constitui o eixo que exerce toda autoridade sobre ela. Quase que invariavelmente antagônico aos outros dois poderes, encontramos profetas que não somente julgavam, mas que também sentenciavam pela autoridade divina reis e sacerdotes, e por conta disso eram severamente perseguidos. O profetismo não era uma instituição formal, como a realeza ou o sacerdócio. Israel poderia eleger um rei, poderia consagrar um sacerdote, mas nunca poderia providenciar para si um profeta. Esta era uma atribuição a Deus. A influência do profeta na sociedade não é necessariamente reconhecida por ela, mas é dependente da vocação profética e do ministério para o qual o profeta foi designado. Não foram poucos os profetas que foram chamados justamente para não serem ouvidos e nem entendidos, mas serviram apenas como testemunhas contra as iniquidades do povo.

Os profetas propagavam as suas mensagens através de outros recursos além dos discursos diretos. Usavam por vezes mímicas, pantomimas e até mesmo atitudes concretas, como adquirir uma propriedade. No entanto, isso tinha tão somente valor simbólico, pois nenhum poder mágico ou sobrenatural estava agregado a estes atos. Por vezes a sua mensagem tinha implicações imediatas e efeitos colaterais nocivos. Muitos profetas tiveram crises de depressão, enfermidades, pânico e angústias, e não poucos tiveram problemas conjugais devido ao peso da responsabilidade que lhes era conferida. Temores e sensações sobre as quais os profetas não tinham o menor controle.

Na contramão dos profetas enviados por Deus encontramos um sem número de profetas que não foram enviados por Deus, mas que profetizavam em seu próprio nome. A estes a Bíblia designou o título de falso profeta, que do verdadeiro não tinha aparentemente qualquer diferença. O verdadeiro profeta tem a consciência de que um Outro o faz falar. É justamente a presença deste Outro que causa no profeta a luta interior, por ter que condenar o povo a quem ama. Somente o profeta verdadeiro está imbuído da sua obrigação para com Deus: O Senhor Deus fala, quem não profetizará?  O profeta é servo de Deus que poderíamos chamar hoje de free lancer, pois não é um cargo vitalício e nem específico para uma determinada faixa etária, mas deve estar sempre pronto ao chamado. A despeito de tudo, Deus não dá aos seus profetas qualquer esperança de êxito nas suas missões, e invariavelmente todos experimentaram a inquietação da esterilidade ou mesmo a inutilidade do seu ministério. O profeta foi comissionado a pregar sem hesitar, quer os homens ouçam ou não; é intimado a viver plenamente a sua mensagem, quer os homens se convertam ou não, permanece constantemente debaixo da mesma ameaça que vaticina contra o povo, quer ele queira ou não. A profecia transcende a qualquer necessidade de resultado imediato, pois a sua eficácia se comprovará num tempo escatológico, que a nós não cabe saber.

A morte era companheira inseparável do profeta, e eles foram eliminados sob ordem de quase todos os reis de Israel e de Judá. Mas longe de ser um fracasso ou mesmo uma mordaça, a morte era para o profeta a coroação suprema do reconhecimento do seu ministério. Nas chagas do servo sofredor de Isaías, no pavor do cordeiro que foi imolado, nas prisões e acoites que sofreu Jeremias, nas humilhações de Oséias e nos atestados de loucuras que recebeu Ezequiel estão as insígnias e condecorações de todos aqueles que, em nome de Deus, ousaram desafiar os poderes constituídos, de todos aqueles que foram postumamente honrados e lamentados por Jesus: Jerusalém, Jerusalém, que matas os seus profeta e apedrejas os que te foram enviados. (continua)

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