Vontade de Deus e vontade dos homens

Mas, de fato, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei. Atenta, pois, para a oração de teu servo e para a sua súplica, ó SENHOR, meu Deus, para ouvires o clamor e a oração que faz, hoje, o teu servo diante de ti. Para que os teus olhos estejam abertos noite e dia sobre esta casa, sobre este lugar, do qual disseste: O meu nome estará ali; para ouvires a oração que o teu servo fizer neste lugar. Ouve, pois, a súplica do teu servo e do teu povo de Israel, quando orarem neste lugar; ouve no céu, lugar da tua habitação; ouve e perdoa. I Rs 8.27-30
Salomão e o Templo, portal da Catedral de Leon
Nunca faltou ao fiel a Deus a noção do quanto o Senhor é grande. Mesmo que não pudéssemos quantificar ou enumerar esta grandeza, sempre soubemos da diferença absurda que nos separa dele. Dizia um astrofísico recentemente: Deus não é maior do que nós pensamos dele atualmente, ele é maior do que possamos vir a pensar. Deste modo, nunca faltou também louvores e orações que, dirigidas a ele, evocassem a sua grandeza diante da nossa pequenez, e a oração de Salomão que inaugura o templo, citada acima, não fugiu a esta regra. 

O grande problema nesta oração, como na maioria esmagadora das orações que fazemos é que a introdução que enaltece o poder de Deus sempre vem acompanhada de uma intenção velada, que mais revela a nossa vontade do que propriamente o nossa disposição em viver segundo a vontade de Deus, o que seria a atitude mais natural a se tomar quando este reconhecimento é clarificado em nossa consciência. Bernard Shaw percebeu muito bem isso quando declarou: O homem simples não ora, só pede.

Logicamente que esta observação não parte de alguém que é invulnerável a esta tentação, muito menos de quem um dia já fez disso uma regra de vida. Ela parte da indignação de quem reconhecidamente se vê como mais um interesseiro seguidor desse Deus, que também reconhece absoluto, e que nesta hora está se perguntando o seguinte: Se a grandeza de Deus é tão evidente, se a sua vontade é tão perfeita e se o amor com que nos ama é indescritível, por que, diante de tudo isso, ainda insisto em fazer conhecida a minha vontade obscura, incerta e egoísta?

Esta é apenas mais uma das negligências evidentes e indiscutíveis das quais ano após ano, em vão, tento me livrar. Contudo, ainda não está longe de se configurar como a mais grave delas. O que me causa ainda mais indignação é quando me flagro na posição de Salomão, que após ter construído o primeiro Templo de Jerusalém se coloca na posição de quem pode negociar e fazer exigências. Ou seja, quando transformo qualquer realização minha em nome desse amor que me constrange em objeto de barganha.

Uma das perguntas mais frequentes que faço ao casal de noivos que entrevisto antes de aceitar o convite para oficiar o seu casamento é esta: Se vocês acreditam que Deus abençoa indistintamente a qualquer pessoa, e que não faz acepção de quem invoca e de quem não invoca a sua bênção, por que vocês estão fazendo absoluta questão de se casarem na igreja? É bem certo que não faço esta pergunta com o intuito de desencorajar ninguém a celebrar diante de Deus a sua união de amor. Mas com a intenção de mostrar a grande responsabilidade que tem aquele que invoca a sua bênção, em relação àquele que apenas a recebe naturalmente. A questão aqui existente é por que não me faço frequentemente esta pergunta antes de me dirigir a Deus em oração, principalmente nas orações que inicio enaltecendo a sua grandeza? Deveria me perguntar sempre se é justo pedir o que deseja o meu coração diante da responsabilidade de fazer conciliar a minha vontade imperfeita com a perfeita vontade de Deus? Deveria eu me considerar merecedor de receber as bênçãos suplicadas, quando na realidade deveria me sentir um servo inútil por ter feito apenas aquilo que é a minha obrigação?

Sei bem que a própria Bíblia recomenda orar sem cessar, e que todos os nossos desejos devem ser colocados explicitamente para Deus em oração, mas em tudo isso tem que haver a conscientização do absurdo. Tem que haver a prova do meu crescimento na fé, e mais ainda, tem que mostrar cada vez mais que a minha confiança na sua providência está cada vez mais influenciando e transformando os vários aspectos da minha vida.
Para que a nossa oração não seja a de um homem comum, muitos aspectos devem ser observados. Esta meditação não tem pretensão alguma de defini-los todos, mas uma coisa seria certa: antes de iniciarmos uma oração, seria muito interessante que tivéssemos a sensatez de fazer uma autoavaliação do objeto da oração, para assim fazer deste momento único com Deus um ato de louvor e adoração agradável a ele, e que faça uma verdadeira revolução em nossas vidas.

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