O oposto do homem comum

O fariseu e o publicano, Basílica de Ottobeurem
Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano. O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano;  jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho. O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador! Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado. Lc 18,10-14

A história da igreja cristã tem em seus registros diversos personagens muito curiosos. Alguns que se destacaram pela sua obstinada fé, como Jó e Maria Madalena, outros pela irreverência da sua mensagem, como Amós, Ezequiel e João Batista, e outros ainda pelo próprio anonimato, como a viúva pobre e o exorcista estrangeiro. Mas se ela registra curiosidades que acrescentam, da mesma forma o faz com as atitudes de outros personagens que, apesar de não fazerem exatamente o oposto, não tem contribuído muito para o seu brilhantismo. Quero destacar aqui aqueles que de alguma forma tentam se sobressair na igreja por algum aspecto não fundamental da fé cristã. Quero falar daqueles que, através das atividades meio, querem impor a sua autoridade sobre os demais que se esmeram no anonimato nas atividades fim. Aqui vamos chamar de homem superior (HS), e tentar apresentar algumas maneiras de como ele tenta ser diferente do homem comum (HC).

1 – O senso comum não afeta o HS, porque as suas experiências, que são definitivas, lhe dizem exatamente o contrário. Tem uma música que ouvi na madrugada que retrata com perfeição este sujeito. Diz ela assim: Podem falar, podem falar, eu não estou nem aí. Já tomei posse da vitória que Deus tem pra mim. Isso é querer ser superior ao próprio Cristo, que se impostou com que a opinião pública pensava a seu respeito. Para isso promoveu uma enquete entre os seus seguidores mais próximos perguntando: Que dizem os homens ser o Filho do Homem? Normalmente estas são pessoas que chegaram à fé cristã através de experiências traumáticas e fazem dela a revelação máxima que Deus pode realizar na vida de uma pessoa. Neste caso recomendo tratá-las com a filosofia que aprendi do meu professor, o revmo. bispo Paulo Ayres: Com que foi curado não se discute.

2 – O HS sempre encontra respaldo na Bíblia para tudo que faz, ainda que precise distorcer aquilo que ela realmente está querendo dizer. A sua exegese é própria e normalmente fundamentada na própria experiência, Sua lógica provém da sua superioridade espiritual sobre os demais homens, mesmo sobre aqueles que não são tão comuns assim.

3 – O HS é aquele que consegue manter viva a sua supremacia, ainda que esteja atravessando a fase mais trágica da sua vida. O HS dissimula o seu próprio infortúnio contabiliza bênçãos, não por ser exatamente um resignado que espera pela ação de Deus, mas porque isso redundaria em uma mácula na trajetória da sua fé. A sua vida inteira se anunciou primordialmente pela bênção, que é aparentemente inegável, e pelo seu testemunho constante das vitórias alcançadas, por que seria diferente agora?

4 – Para o HS a sua geração é a última geração de humanos sobre a face da terra, ainda que saiba que muitos antes dele que pensavam assim já tenham morrido. O seu tempo foi meticulosamente escolhido por Deus para a realização do seu maior drama cósmico, a volta gloriosa de seu Filho Unigênito. Como HS jamais poderia deixar de ser testemunha deste ato definitivo de Deus?

5 – A mais degradante fase da história humana é justamente a sua. É a era cujos dias são os mais conturbados, mais sangrentos, quando se comentem crimes e proferem as maiores apostasias já registrados até então. Tudo isso lhe assegura um inequívoco sinal do fim dos tempos, ainda que o consenso insista em ver o mundo sob uma visão mais otimista, e não debaixo desse caos tão propagado.

6 – A hinologia do HS é computada por ele como a mais inspirada, mesmo que não seja fiel a qualquer doutrina reconhecidamente inspirada, mesmo que não obedeça às regras da métrica ou se importe com a rima poética. A mensagem é um apelo mais que convincente, portanto, deveria atingir a fundo a sensibilidade dos demais.

7 – A hinologia do HS sempre exalta o poder e a grandiosidade de Deus com ênfase nos benefícios que ela lhe traz, e não por ele ser o que é. Enaltece a sua magnificência pelo que ele ainda fará em sua vida, quase nunca se referindo às bênçãos já alcançadas.

Vou parar no número sete não porque ele seja um número cabalístico, embora seja um número relevante na Bíblia. Mas porque este é o número de povos que viviam em Canaã quando o povo de Deus chegou à terra prometida. Estes povos representam tudo que existe de oposto à vontade de Deus e ao seu plano de salvação. Vou parar no sete, mas não por acaso.

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