A fé e a crença

O Senhor diz: “Esse povo ora a mim com a boca e me louva com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”. A religião que eles praticam não passa de doutrinas e ensinamentos humanos que eles só sabem repetir de cor. Isaías 29.13
Leiam Marcos 7.1-23
Ai de vós, escribas e fariseus, James Tissot
Este é um dos debates que abrem a controvérsia milenar entre o Judaísmo e o Cristianismo iniciadas por Jesus no transcurso do seu ministério terreno. Este é o embate que dá seguimento às discussões anteriores sobre perdão de pecados, sobre a necessidade premente da prática do jejum e sobre a rigorosa e rígida guarda do sábado narradas no capítulo 2 deste mesmo evangelho. Neste capítulo 7, Marcos descreve outro fato que na ocasião se mostrou, aos olhos do Judaísmo, ser mais um tremendo escândalo, mas que na realidade foi a melhor oportunidade encontrada por Jesus para lançar um dos principais fundamentos da moral cristã. Valendo-se de uma técnica de retórica bastante apurada, Jesus estabeleceu a rotina deste debate começando com uma discussão polêmica e acirrada com os fariseus, abrandando o tom de voz quando tentou passar um ensinamento coletivo a todos os presentes, até terminar com instruções inéditas e definitivas aos seus discípulos. Para efeito de uma meditação rápida, podemos observar alguns pormenores deste encontro que é de capital importância para o pensamento cristão.

O que se pode observar logo de saída é a antiga polêmica que sempre existiu entre o campo e a cidade, entre os grandes centros urbanos e a periferia, entre a cultura formal e a vivência. O texto começa narrando a chegada de fariseus e intérpretes oficiais da lei a Genesaré da Galileia, vindos de Jerusalém na Judéia. Não bastasse a discriminação estatizada que o povo da Judeia nutria pelos naturais da Galileia, tratando-os como judeus inferiores e quase samaritanos, os recenchegados vinham do centro do poder, portanto, era detentores de todas as prerrogativas que o Templo e a classe sacerdotal dominante os conferiam. As regras e prescrições citadas por eles tinham peso de lei e o seu descumprimento, passível de punição. Tanto mais as leis de purificação, que praticamente era a base de qualquer outro segmento legal. O que se presume daí é que os discípulos de Jesus estavam errados e os fariseus e doutores da lei, mais do que certos. Como bom mestre e judeu fiel à Lei Mosaica, Jesus deveria tê-los repreendido, e seguindo criteriosamente os costumes instituídos pelas leis de Moisés, obrigá-los a lavar muito bem as mãos e braços, até os cotovelos, entes da refeição, como prescrevia o Talmude.

Contrariamente à discussão anterior sobre colher espigas no sábado, quando Jesus tinha como argumento de defesa a invasão de Davi ao lugar sagrado para alimentar seus soldados, neste caso, quanto à purificação do corpo antes das refeições, Jesus não encontrou qualquer justificativa em um fato pregresso que atenuasse o delito de seus discípulos. Mesmo que Jesus mesmo não tivesse sido flagrado cometendo esta falta, a sua argumentação teria que ser na base do improviso, e nunca no próprio exemplo. Jesus tinha que argumentar baseado na lei judaica, contudo, utilizando-se do princípio da lei, ou seja, da necessidade primeira para qual ela foi efetivamente criada. Caso tivesse conduzido a discussão para o terreno da interpretação literal ele fatalmente ele seria derrotado, pois os seus contendores estavam bem guarnecidos por séculos de tradição legalista. 




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