Livramento ou risco?

Eis que vos envio como ovelhas para o meio de lobos. Leia Lc 10,1-12, é muito importante.
Os setenta discípulos, iluminura de um manuscrito medieval
Estas são palavras bem conhecidas do cotidiano brasileiro. Alerta sobre situações de risco são alardeadas em todos os telejornais e das formas mais diversas possíveis. Já no livramento, o carioca leva uma vantagem, pois além de ser bombardeado com promessas de livramento anunciadas incansavelmente pelos pastores eletrônicos no rádio, na TV e na Internet (nesta última tenho a minha parcela de culpa), temos o nosso próprio morro do Livramento, que mesmo pacificado, não oferece as garantias prescritas no seu nome.

Além de conhecidas, estas palavras são interdependentes. Não existiria uma sem a outra, é claro! Somente necessita de livramento aquela pessoa que se encontra em estado de risco iminente. Por outro lado, a maior necessidade de quem se encontra em estado de risco é o livramento. Quanto ao morro do Juramento, antigamente conhecido como morro da Favela, foi palco de atuação de um dos mais fantásticos pastores que já pisou em nosso território, rev Hugh Clarence Tossir. Um dia contarei a história dele.

A despeito de tudo o que se relaciona a este tema que tem opções de vida indiscutivelmente antagônicas e de fácil escolha, o texto do evangelho sugere algo contraditório a tudo o que foi concluído até agora. Segundo o texto que narra a missão dos setenta enviados de Jesus, a opção natural do cristão deveria ser pelo risco e não pelo livramento. Vamos tentar esclarecer melhor este intrincado raciocínio.

Em certa altura de seu ministério, Jesus envia setenta dos seus melhores discípulos a percorrer as vilas e cidades por onde ele mesmo gostaria que o evangelho fosse anunciado. Algumas prescrições, porém, se faziam necessárias: 
1- Renunciar a qualquer tipo de segurança ou garantia, não levando consigo suprimento ou vestuário extra.

2- Não saudar ninguém pelo caminho, pois a missão do evangelho é promover a paz através da justiça, e não de acomodar as pessoas com circunstanciais e apressadas promessas de livramento imediato. 

3- Permanecer até o final da sua missão na mesma casa que o hospedou quando da sua chegada à cidade. Logicamente para evitar ceder à tentação de conseguir melhores acomodações, como também o constrangimento do primeiro anfitrião.

4- Curar os doentes em seu nome. Jesus era conhecido primordialmente como curandeiro.
5- Anunciar de todas as maneiras que o Reino de Deus é chegado.

6- Confiar na generosidade que a pregação da sua mensagem irá provocar, sem, contudo, abusar dela de forma alguma.

7- Condenar sumariamente todos aqueles que rejeitarem previamente esta oferta gratuita. Isto está bem de acordo com a poesia de Dorival Caymmi, pois quem não gosta de samba, bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé.

8- Fazer a jornada aos pares, para que haja testemunho de tudo o que está sendo realizado.

9- Pedir insistentemente ao Senhor da colheita que aumente o número de operários, porque o campo é vasto e os trabalhadores são poucos, e também para que esses poucos não venham a se vangloriar ou ter privilégios.

10- E depois de tudo feito e do trabalho consumado, permanecer com a certeza de que prostitutas e publicanos nos precederão no Reino dos Céus.

Não bastassem as precárias condições em contrapartida ao acúmulo de exigências, os setenta saíram debaixo de uma terrível ameaça. Em um país pronto a explodir em guerra; debaixo da inflexível opressão romana; vivendo num mundo recheado de superstições e religiões de mistério; no meio de um povo miserável que já não tinha mais como suportar a exploração dos ricos; presenciando uma religiosidade exterior, completamente atrelada e comprometida com os interesses dos poderosos; contemplando dia após dia a desesperança e o descrédito nas promessas de Deus, Jesus ainda ousa dizer: Eis que vos envio como ovelhas para o meio de lobos. É assim que age o bom pastor? É desta maneira que o pastor dá a sua vida pelas ovelhas? São essas as garantias que o evangelho tem a nos oferecer? Não sei bem a resposta a esta questão, ou melhor, até sei. Mas não é para satisfazer curiosidades ou aplacar consciências o intuito primeiro deste blog, e sim para levantar a dúvida sobre o que poderíamos nós pensar que de fato foi oferecido aos setenta naquele dia, livramento ou risco?

ps. A Bíblia Online ao lado foi melhorada. Não deixe de conferir esta facilidade oferecida pela Sociedade Bíblica do Brasil.

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