Romanos – a vergonha que vence

Representação de Paulo do século XVI
Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego. Romanos 1.16

A questão da vergonha é muito bem trabalhada por Paulo, e ele a aborda sob vários aspectos quanto se trata do evangelho de Cristo. A fraqueza, a loucura, a impotência e a ignorância, que são reconhecidamente motivos de vergonha, mas na sua pregação assumem características que as fazem ser predominantes sobre as suas rivais diretas. 

Em I Co 1 ele diz que Deus usa preferencialmente as coisas que são negativas sob o ponto de vista humano, para fazer corar, num português mais claro, matar de inveja, as coisas grandiosas. Para Paulo, o evangelho sempre sai em desvantagem, parte de uma condição inferior e é muito menos equipado tecnicamente do que as forças que negam a sua mensagem, e curiosamente o apóstolo se vangloria disso. Depois de viver uma vida dedicada à pregação do evangelho, o que ele contabiliza são açoites, naufrágios, apedrejamentos, incêndios e perseguições sem fim. Contudo, o versículo citado acima, que faz parte do prefácio, ficaria muito bem, caso esta fosse uma carta endereçada a uma igreja conhecida, que lhe fosse íntima e que tal testemunho visasse robustecer a fé de seus membros, talvez por serem vítimas destes mesmos infortúnios. Nunca deveria ser colocada no início de uma carta que tinha por finalidade apresentá-lo como aquele que iria encabeçar o enorme desafio de evangelizar toda a Espanha, e que estava, através desta carta, pedindo apoio irrestrito para a sua missão.

Quem de nós não começaria uma carta deste tipo dizendo ser a pregação do evangelho seu grande orgulho? Por outro lado, quem de nós passou de um “fracasso” como o de Atenas para um glorioso sucesso como o de Coríntios? Quem se nós experimentou na pele tais sensações para entender tão claramente que Deus age mais livremente através da fraqueza, da loucura e da vergonhado que das coisas que nos dão orgulho? Paulo quando escreveu aos romanos não queria falar de si, não pretendia se apresentar-se como o grande evangelizador de toda a Ásia menor ou como o apóstolo dos gentios, e sim deixar bem explícito que todo o poder do procede do evangelho de Cristo, e que a despeito de todas as fraquezas conhecidas do apóstolo, ele era poderoso o suficiente para a salvação de toda e qualquer nação sobre a terra.

Paulo também mostra neste prólogo uma perfeita sintonia com o Primeiro Testamento, mais especificamente com o Salmo que diz: O Senhor fez notória a sua salvação; manifestou a sua justiça perante os olhos das nações. Lembrou-se da sua misericórdia e da sua fidelidade para com a casa de Israel; todos os confins da terra viram a salvação do nosso Deus. Por mais que assumisse a frente do trabalho, ele entende que este é um projeto antigo de Deus, e o evangelho é a única resposta para este plano se tornar viável. Entende também que o plano não pode mais ser ignorado, contido ou sequer postergado. O evangelho é o ato decisivo de Deus que vem para declarar a palavra de salvação tanto para judeus quanto para gentios, palavra que veio em boa hora, uma vez que as duas facções beligerantes da comunidade cristã de Roma estavam prestes a dividir aquela igreja. Paulo precisava mantê-la unida e convicta de que sua grande tarefa era a evangelização das regiões mais distantes do Império Romano, considerada os confins da terra.

É sempre bom que se diga que na palavra salvação estão incluídos todos os bens que Deus pode dar de resposta à expectativa do ser humano, que está oprimido e angustiado. Embora seja sabido que expectativa de salvação não era uma peculiaridade da religião de Israel, e que ela podia ser encontrada sob as mais diversas formas no paganismo, para os judeus tinha uma conotação diferente. A própria religião estatal promulgava o imperador como o Augusto Salvador, mas era uma salvação que se tratava apenas de uma providência imediata, o livramento de um temor supersticioso que a alma influenciada pelo helenismo buscava ansiosamente nas religiões de mistério. Mas as inúmeras revelações do Deus de Israel haviam desenvolvido neste povo um elemento totalmente estranho a essas religiões: o senso de que os revezes do destino que o homem padece é o resultado da desobediência aos preceitos mais elementares de Deus, fora dos quais não há possibilidade de se encontrar salvação. E o evangelho é a intervenção que não somente traz ao homem essa consciência, como também perdoa e refaz tudo o que o pecado havia destruído.

Para a religião antiga de Israel, o poder de Deus havia de certa forma se exaurido na libertação do povo do Egito. Não se esperava que Deus fosse fazer algo maior ou mais decisivo que isto. Portanto, todo aquele que era herdeiro desta libertação, estava naturalmente liberto de tudo mais. Se algum estrangeiro quisesse ser liberto também teria que se tornar judeu. Paulo diz que não é a herança, mas a fé a garantia da salvação, tanto dos judeus quanto dos gentios. Não a fé de Israel, mas a fé que transcende fronteiras e que vem através da poderosa pregação do evangelho, que agrega e une todo o povo de Deus.

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