Perto do Trono

John Wesley (1703-1791) - João Wesley Dornellas (1933 -2012)
Metodista, ler ou não ser. João Wesley de Moraes Dornellas.

Não se trata de uma homenagem, porque esta Deus me deu a oportunidade de fazer-lhe em vida. Trata-se sim de acrescentar alguns itens que ficaram faltando ao texto original, porque, naquela época, fatalmente seriam censurados.

João talvez tenha sido a pessoa mais apaixonada pela Igreja Metodista que alguém pôde ter notícia após a morte do seu homônimo, o fundador do movimento que deu origem a esta igreja. Filho de pastor, João reunia mais conhecimento e prática pastoral que a grande maioria dos pastores que conheço. Haja vista a grande quantidade que o procurava, pedindo conselhos e orientações com a velada intenção de fazer sua alguma as ideias brilhantes desse meu amigo. João percebia de longe essa manobra, ficava injuriado, dizia que não, mas quase sempre acabava cedendo, porque a sua paixão pela igreja não media consequências.

João era tão reconhecidamente um pastor, que quando na ocasião da minha ordenação, foi convidado a participar da cerimônia da sucessão apostólica pela imposição de mãos, justificou a sua recusa pelo fato de não ser ele um pastor. Os reverendos Jonas Resende, Edson Fernando e Mozart Noronha, testemunhas da recusa, imediatamente retrucaram dizendo: Nada disso, segundo a nossa tradição, que é mais antiga que a sua, você é pastor sim!

Além do dom nato e hereditário para o ministério pastoral, João era o professor por excelência. O professor que qualquer aluno que leve a sério a Escola Dominical queria ter. Para ele não havia tema que não pudesse ser abordado, por mais herético que pudesse parecer. Por várias vezes o vi encrencado com perguntas, cujas respostas muitos teólogos se recusariam a dar, justamente para não se comprometerem, tornando público os segredos mais bem guardados dos subterrâneos da igreja. Mas o João era assim mesmo, não fugia de nada, e não sabia ficar omisso em qualquer situação, o que lhe resultava em broncas homéricas de sua fiel escudeira, Alice, que com seu temperamento manso e suave, o trazia de volta para a terra, todas as vezes que a sua paixão o elevava acima das nuvens. 

Muito mais do que isso, João era o membro cuja igreja tanto corria nas suas veias quanto batia em seu coração. Seu grande inspirador, John Wesley, se dizia homem de um só livro, pois João era homem de um assunto só. Versado em outras línguas, detentor de uma cultura excepcional, laureado com várias condecorações de mérito, nunca lhe faltou argumento para debater qualquer tipo de tema. Mas fosse qual fosse a conversa, ele sempre conseguia uma forma de colocar a igreja como parâmetro, para, a partir daí, falar do evangelho de modo claro e racional, a pessoas de todos os níveis.

João, assim como eu, possuía um temperamento inquieto, pronto para se tornar exaltado. Mas era evidente que para cada rompante, havia pelo menos a suspeita de que a sua amada igreja estava sendo lesada ou subtraída em alguma coisa. Por conta do nosso temperamento, perdemos muitos anos em uma absurda discordância, atitude da qual tive a oportunidade de lhe pedir perdão a tempo. No dia que levei em conta a sua verdadeira intenção, me vi forçado a render-me incondicionalmente à sua superior erudição e ao seu invejável conhecimento bíblico. Lembro-me bem do que disse naquela ocasião: Difícil não é questionar o João Wesley imaginando que ele esteja errado. Difícil é ter me render aos seus argumentos, na convicção de que ele está certo. Deste dia em diante, nossos laços se estreitaram, então, pude ver com clareza que aquele com quem discutia tolamente, e não poucas vezes asperamente, era o principal jogador do meu time, fato que eu não sabia.

Pelo seu modo apaixonado de defender a igreja, a sua tradição e os seus fundamentos, João angariou também algumas pessoas que não lhe tinham grande simpatia. Dentre esses, podemos contar muitos oportunistas e carreiristas, que quiseram fazer de sua igreja um mero trampolim para a sua autopromoção. Todos estes encontraram no João um ferrenho opositor, que por sua fidelidade, idoneidade e conduta ilibada, nunca se permitiu ser flagrado em contradição ou deslize.

Mas chegou o momento que Deus o chamou para si. Chegou a hora que Deus lhe disse: Basta de tanta luta, tanta indignação, de tanta disputa para preservar a mim e minha igreja. Venha para mim, meu filho. Venha e sente-se à mesa daqueles que, como você, se consumiram pelo zelo à minha Palavra. Venha realizar um dos seus grandes sonhos. Converse pessoalmente com Paulo, meu apóstolo, com seu xará, Wesley e com meu Filho. Pois este é o Reino que tenho preparado para aqueles que me amam.

Sinceramente eu espero que agora, nenhum desses desafetos venha ironicamente me perguntar se tenho esperança de encontrar João Wesley no céu. Vou me ver forçado a repetir o que George Whitefield, um admirador secreto de John Wesley, disse a respeito dele, quando lhe fizeram a mesma pergunta. Com toda certeza, não vou encontrá-lo de modo algum. Ele vai estar tão perto do trono de Deus, e eu tão distante, que esse encontro vai se tornar impossível.

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