Ecologia de mais, vida de menos

O Dilúvio,  Gustave Doré.
Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo. Mt 10,28

Este texto no grego original não faz distinção entre corpo e alma, seguindo rigorosamente o princípio do pensamento hebraico. No entanto, identifica claramente a diferença entre a vida biológica e a vida transcendente. Ainda que a ressurreição do corpo não fosse consenso na religião judaica, a perpetuação de uma vida através da continuidade em seus descendentes, principalmente através do primogênito, era uma realidade incontestável. E o texto expressa o seu melhor sentido caracterizando que a vida transcendente, que se estende até a eternidade, é incomparavelmente melhor do que a vida biológica que subsiste por pouco tempo.

É bem provável que os ecologistas e ambientalistas não encontrem na Bíblia argumentos tão melhores do que este para calçarem as sua teses. Estarão certíssimos em afirmar que é necessário que esta geração faça qualquer sacrifício pela preservação de um mundo minimamente habitável para as gerações futuras. Até mesmo o mais convicto dos ateus ergueria suas mãos em direção a qualquer coisa, agradecido por ver garantida a sua posteridade. Neste assunto, igrejas, sinagogas, mesquitas, centros, terreiros e qualquer outro tipo de templo não citado tem obrigatoriamente que fazer coro, pois antes de ser um assunto que diga respeito a um ou outro credo, diz respeito à preservação da humanidade.

Jesus foi bem específico quando disse para não temermos aqueles que podem destruir o corpo, num sentido figurado, não temer aqueles que podem nos fazer o mal diretamente a nós, como indivíduos. Mas antes temer aqueles que podem fazer da vida um inextinguível inferno. O mundo todo diria amém, crédulos e incrédulos voltariam felizes para as suas casas e todas as ONGs festejariam alegremente. Por causa disso é que eu fico me perguntando por que Jesus não parou o seu discurso aí? Por que não disse somente o que era consenso? Por que na continuação do texto ele foi dizer que um homem vale mais do que muitos pardais? Ou seja, que a natureza deve ser submissa ao homem, pois, apesar de ser bem mais antiga, ela existe por causa dele e não o contrário.

Não é preciso dizer que pensadores de várias tendências imediatamente pularam fora deste barco. Não foi à toa que um dos nossos ministros do trabalho, do alto de sua sabedoria, pronunciou: Cachorro também é ser humano. Não pensem que estou de chacota, assim pensa boa parte da população, principalmente quando se trata de seus bichinhos de estimação, que são tratados como parte integrante da família, quando não são os principais membros dela. Ao reclamar de um cachorro em um carrinho, dentro de um supermercado, por pouco não fui agredido, inclusive pelo gerente, que alegou que o tal cachorro estava mais limpo que eu, no que tinha plena razão.

A realidade é que a ecologia também tem seus limites. Não se pode prender no regime inafiançável uma pessoa que pescou meia dúzia de tilápias para matar sua fome, em um lago destinado à preservação ambiental. Da mesma forma, não se pode condenar uma família ao desterro, por habitar, se é que podemos chamar assim, uma área que foi, por decreto, considerada reserva ecológica. São para estes casos que Jesus vem dizer que a vida do pescador vale mais do que toda aquela criação, e que algumas árvores de pé não justificam que uma família venha a ser privada de suas necessidades básicas. A defesa do meio ambiente tem se mostrado bastante válida quando não trata do ambiente pelo qual somos diretamente responsáveis. Não são poucos os defensores da natureza que fazem as suas palestras contra a poluição do ar, fumando seus belos charutos cubanos. A inundação recente de Nova Orleans veio mostrar ao mundo a verdadeira face daqueles que se diziam incontestavelmente amantes dos seus animais de estimação, quando uma quantidade enorme foi encontrada morta, afogada por estar acorrentada, pois os seus donos sequer deram a eles oportunidade de se salvarem por conta própria.

Não há quem compre pardais, mesmo por alguns centavos, mas nenhum deles cai sem que sem que Deus tenha ciência, disse Jesus. Como é que imaginamos poder cuidar da natureza, se nem do nosso irmão damos conta? A agressão ao meio ambiente não é não pode ser a primeira causa a ser defendida pelos servos do Criador, receba ele o nome que for. Ela deve ser a consequência de uma luta muito mais próxima, que leva em conta primeiramente a vida humana, assim denunciaram os profetas. O que só prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar e adulterar, e há arrombamentos e homicídios sobre homicídios. Por isso,  ̶  exclusivamente por isso  ̶  a terra está de luto, e todo o que mora nela desfalece, com os animais do campo e com as aves do céu; e até os peixes do mar perecem. Assim profetizou Oséias.

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