Proselitismo e discipulado
Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque rodeais o
mar e a terra para fazer um prosélito; e, uma vez feito, o tornais filho do
inferno duas vezes mais do que vós! Mateus 23:15
Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a
guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos
os dias até à consumação do século. Mateus 28.19-20
Desde o seu nascedouro a igreja tem convivido com o desafio
da sua expansão pelo mundo. Tanto os mais geniais quanto os mais absurdos meios
de evangelização foram empregados ao longo de dois mil anos da história de
igreja. Porém, a ideia de atrair pessoas para o seu credo não foi exclusividade
do Cristianismo. Muitas religiões mais antigas e mais influentes em seu tempo
utilizaram artifícios para angariar adeptos. Até o Judaísmo, que nascera para
ser uma religião exclusiva dos descendentes sanguíneos de Abraão, por razões de
sobrevivência, viu-se na condição de ter que converter pessoas oriundas de
outras religiões, principalmente as que eram simpáticas à sua fé, assim como
aconteceu com Raabe e Rute. Dessa disposição surgiu a figura do prosélito,
aquele que professava o judaísmo, mas não é descendente de judeus nativos.
O proselitismo judaico tratava exclusivamente de fazer com
que os novos seguidores da religião se enxergassem como eles se enxergam: um povo
exclusivo de Deus de um Deus exclusivo, chegando à conclusão de reconhecer-se como
“a menina dos olhos desse Deus”. A despeito da diligente pregação profética ter
se empenhado ao extremo em convencer a Israel assumir o seu verdadeiro papel na
história da salvação: Ser o canal da bênção de Deus para todas as nações.
Hoje o proselitismo encontrou outras vias. Tem servido para que
pessoas mal intencionadas se empenhem em agenciar partidários à su causa,
doutrina, ideologia ou religião, execrando qualquer outro que não pense, aja ou
creia como elas. O propósito obstinado do proselitismo é fazer prosélitos,
mesmo que não haja da parte do outro interesse algum para esta conversão. O
proselitismo é conhecido por se valer de técnicas de persuasão antiéticas e
muitas delas agressivas.
Jesus condenou com veemência esta prática, uma vez que, por
meios inescrupulosos, visava motivar as pessoas a potencializarem mais ainda as
suas doutrinas. Doutrinas essas que contrariavam os princípios mais elementares
do Reino que veio inaugurar. Em contraproposta ao proselitismo Jesus enfatiza o
discipulado, a arte de fazer discípulos. Proposição que exclui os
discipuladores de qualquer possibilidade de se sentirem privilegiados, de projetarem-se
como modelos, de propagarem a própria imagem ou de incutir conceitos concebidos
por eles mesmos. O foco deverá ser exclusivamente aquele proposto por João
Batista: Importa que ele cresça e eu
diminua. Talvez seja essa a diferença fundamental entre proselitismo e
discipulado.
Entretanto, existem outras diferenças. No proselitismo
judaico existia uma cadeia hierárquica rigidamente fundamentada na antiguidade,
no conhecimento e no prestígio que um membro possuía sobre os demais. Esta cadeia
se estendia do sumo sacerdote ao mais insignificante membro da comunidade. Conceito
de tributava aos mais elevados, poderes extremos e determinações
inquestionáveis. Esse foi outro conceito contra o qual Jesus foi inflexível: Vós, porém, não sereis chamados mestres,
porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos. Mas o maior dentre vós
será vosso servo. Mateus 23:8-11 Contra a hierarquia do proselitismo Jesus
propõe a “hierodulia”, palavra derivada do grego doulos, que significa servo, ou seja, a inversão total de qualquer
tipo de hierarquia.
Um terceiro aspecto dessa ruptura se mostra no que diz
respeito à formação do indivíduo. Uma vez que o proselitismo tinha por
finalidade formar consciências convictas de uma verdade absoluta, quando
considerado apto o prosélito era lançado à sua própria sorte para que dela
tirasse o máximo proveito. Já no discipulado o aprendizado é permanente e não
visa o próprio benefício: De graça recebeste, de graça dai. Mateus 10.8 Na fé cristã não existe possibilidade
alguma do discípulo considerar-se plenamente capacitado. Uma vez discípulo,
discípulo por toda vida. Sendo fiel a esse princípio, o cristão se torna
herdeiro da mais encorajadora e serena das promessas de Jesus: E eis que estou convosco todos os dias até à
consumação do século. Mateus 28.20 (Continua) (Anterior)
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