Igreja Kilnave e cruz celta, Ilha de Islay, Escócia |
Tenho que confessar, e não me ressinto dessa confissão, que
não estou vivendo o clima de expectativa com que as igrejas reformadas aguardam
a celebração dos quinhentos anos da Reforma Protestante que se dará no final do
mês em curso. Isso se deve ao simplesmente fato de que, como wesleyano de
berço, cuja família já ultrapassou os cem anos de presença marcante no metodismo,
embora eu mesmo não esteja eu arrolado formalmente a nenhuma igreja metodista,
não encontrei as raízes predominantes da minha fé neste movimento do século
XVI. Por outro lado afirmo que, mesmo adotando algumas doutrinas e práticas
oriundas do movimento criado pelos reformadores, jamais me senti confortável quando
coberto pela capa histórica que paira sobre a esmagadora maioria das igrejas
tradicionais, e até mesmo algumas não tão tradicionais assim.
Por que não sou reformado?
Primeiramente devo lembrar que o movimento que originou a
Igreja Metodista nasceu no ceio da Igreja Anglicana. Wesley nasceu e morreu
anglicano. Portanto, a igreja que preservou suas ideias e ideais não é, por
esse dado, tradicionalmente herdeira direta da Reforma.
Devo lembrar também que aqueles que afirmam que igreja da
igreja Anglicana, a igreja oficial da Inglaterra, foi fundada por Henrique VIII, precisam
aprofundar o seu conhecimento da história da igreja. Muito antes de Henrique
VIII ou de qualquer monarca inglês, já existia na Escócia uma igreja de origem
celta, muito provavelmente fundada por um apóstolo ou pai apostólico, que foi severamente
perseguida pelos papas romanos, pois era totalmente dissidente dela. Uma igreja
que nunca se curvou perante os dogmas e das cretinices que levaram Lutero e os
demais reformadores a se insurgirem contra a igreja oficial dominante. Uma
igreja tão antiga quanto a de Roma, mas que nunca deteve qualquer poder
político e que jamais derramou sangue para fazer com que a mensagem do
evangelho chegasse à Inglaterra de Henrique VIII e posteriormente ao Clube
Santo de Wesley. Pelo contrário, foi uma igreja que testemunhou o sacrifício de
muitos dos seus membros para resguardar incólume os princípios básicos da fé
verdadeira. Se por um lado ela não se enquadrava de forma alguma nos modelos
pré e pós-reformados, por outro destoava totalmente do regime totalitário dos
papas romanos. É dessa igreja que orgulhosamente sou descendente.
Penso
que não seria preciso reprisar que, tanto a igreja celta primitiva, como o
movimento metodista, sofreram perseguições de todos os lados, pois não se
alinhavam e não tiveram associação alguma com estados ou reinos interessados em
desvincular-se de Roma, sendo totalmente autônoma de todos eles. A perseguição
ao movimento metodista se deu dentro da própria igreja mãe. Vejam o que disse
João Wesley Dornellas no seu best-seller
Pequena História do Povo Chamado Metodista: Quando Wesley pregava na igreja de Epworth, que tinha sido durante
mais de trinta anos pastoreada por seu pai, acabou sendo expulso no meio do
sermão. Saindo do templo, subiu ao túmulo de seu pai, no jardim, propriedade de
sua família, e terminou o sermão. Foi dali que proferiu a sua
mais famosa frase: O mundo é a minha
paróquia. Sabemos que não foi exatamente assim que se deu a Reforma.
Importante que se destaque que o movimento encabeçado por
Wesley nunca foi um movimento separatista. Sua única intenção era que se desse
uma reforma dentro da própria igreja. Isso se comprovou pelo fato de nunca,
durante sua vida, ter aceitado que seus pastores fundassem uma nova igreja,
como era o desejo deles. O movimento se tornou autônomo apenas nos EUA, pois
este país havia declarado sua independência e toda e qualquer ligação com a
Inglaterra era tida como altamente suspeita. Daí a forçada nomeação de Coke e
Asbury como superintendentes, que, a despeito da flagrante contestação de
Wesley, nomearam a si mesmos bispos.
Por não ter nas suas regras de fé e prática conflito com
outras denominações, o Metodismo também não se viu obrigado a uma disputa
territorial acirrada com outros credos, muito menos com os católicos,
denominação na qual Wesley angariou muitos amigos e admiradores. Sua expansão
aconteceu exclusivamente pela pregação itinerante de seus pastores e pregadores
leigos, alcançando, nos EUA, territórios inexplorados e, na Inglaterra, a ralé,
na sua maioria mineiros das minas de carvão, que era discriminada pela igreja
oficial. Tenho sérias razões para crer que foi a pregação de Wesley que livrou
a Inglaterra da sangrenta guerra civil, pela qual passou a França. O derramamento
de sangue inglês pôde ser evitado pelo fato do país experimentar um avivamento
religioso que mudou os maus hábitos de muitas pessoas, como Wesley declarou: Aquele que roubava, não rouba mais. Aquele
que batia na mulher, não bate mais.
Se de uma forma bastante clara o movimento metodista
prescindiu de apoio político, de outra foi presente e extremamente influente na
política e na educação. O sindicalismo, não o que conhecemos hoje, mas aquele
que lutava contra a exploração de mulheres e crianças nas fábricas e contra a
jornada de trabalho de 12 horas, nasceu na Inglaterra, na Igreja Metodista. Os
seis primeiros mártires do sindicalismo inglês, três eram pregadores metodistas
leigos, dois eram membros arrolados nessa igreja e o último, segundo algumas
testemunhas, tornou-se também metodista.
No que diz respeito à educação, John Wesley já havia
começado um trabalho especial de ensino bíblico para crianças em 1737, quando
estava em missão em Savannah, Georgia. Mas a glória da criação da Escola
Dominical coube a uma mulher chamada Hannah Ball Moore. Ela aceitou a Cristo
quando tinha 22 anos, por meio de um sermão de João Wesley, no dia 8 de janeiro
de 1765. A partir daquele dia, Hannah tornou-se uma grande batalhadora da fé e,
em 1769, criou a primeira Escola Dominical. Uma década depois, um jornalista
metodista, Robert Raikes, criou a primeira Escola Dominical para os meninos de
rua, ensinando-lhes, além da Bíblia, aritmética e inglês.
Precisamos ter orgulho do que somos. Precisamos urgentemente
voltar ao antigo amor, ao Metodismo autêntico. Aquele que não precisa se valer
de adoradores ou de levitas, mas que encontra no cântico congregacional motivação
bastante para fazer como aqueles metodistas do passado, que tanto contribuíram
para o crescimento do evangelho. Precisamos deixar os exorcismos, as curas
divinas, as línguas estranhas, o fundamentalismo bíblico, as orações fortes, as
revelações extrassensoriais, deixar isso tudo para as igrejas que se pautam por essas práticas.
Precisamos ouvir pregações inspiradas e inteligentes. Pregadores com mensagens
que movam na mesma direção o coração e a razão. Precisamos atentar para a
verdadeira vocação metodista, de uma ação social que visa tirar o necessitado do
monturo e colocá-lo junto com os príncipes, como reza a mensagem profética.
Sendo o que somos, aí sim, poderemos nos alegrar com os que se alegram, no
momento atual, os reformados, mas não precisaremos imitar doutrinas estranhas
para termos em nossos bancos um número suficiente de crentes fiéis e dispostos
a mudar a realidade que vivemos. No dizer de Wesley: Abalar as estruturas do inferno.
Penso que posso parar por aqui, mas não sem antes
parabenizar os meus irmãos reformados porque merecem celebrar efusivamente essa
data, pois se mantiveram fiéis a essa verdadeira revolução na igreja, que
trouxe, sem qualquer sombra de dúvidas, uma contribuição definitiva ao evangelho
e ao Reino de Deus.
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