Leitura da Torá, Pasteve |
Outro fenômeno específico do Judaísmo é a estrita
observância da Lei. Uma das preocupações fundamentais do Judaísmo foi “erguer
uma cerca em torno da Lei”. Embora haja nesse “zelo pela Lei” um sério “zelo
por Deus” (Rm 10.2), cometeu o Judaísmo o erro de interpretar as prescrições da
Lei, não no espírito dos profetas, mas com uma casuística penosa e dura.
Literalistas sem inspiração procuravam assegurar-se por uma obediência puramente
formal, sem conformidade interna com a vontade de Deus. Os atos externos (o
jejum, as esmolas, a oração, as abluções) eram o principal objeto do interesse
religioso; o motivo interno era pouco visado. Isso levou à convicção da
“salvação pelas obras” (Lc 18.11-13) e à pouca receptividade para a mensagem
profética de repreensão, instrução e reflexão. De mais a mais, o Judaísmo
acrescentou à Lei um grande número de prescrições secundárias (às vezes até
imorais: Mc 7.11-12 sobre o corban)
(“a tradição dos Antigos”); tudo isso nos faz compreender como a seita dos Fariseus
(“separatistas”) chegou àquela atitude dura, estreita e presumida, que
conhecemos pelo Evangelho (Mc 7.1-13; Mc 12.38-40; Mt 23.13-33; Lc 11.37-52). O
grande respeito pelo dom divino da Lei (conforme Baba Mezia 85b Deus estuda a
sua própria Tora), que acabou sendo identificada com a própria Sabedoria de
Deus, levou os pregadores e mestres religiosos do Judaísmo (os escribas) a
codificar os frutos dos estudos seculares sobre a Lei, no Talmude (todo o complexo da exegese da Mixná, as teses e os ditos dos Rabis em relação à Tora, oralmente transmitidos).
Ao lado desses aspectos sombrios o Judaísmo apresenta em
certos pontos uma riqueza religiosa muito notável, pela qual é inegavelmente
uma “praeparatio evangelica” e pela
qual, naqueles determinados pontos, se encontrava “não longe do Reino de Deus”
(Mt 12.34). Sem dúvida as noções sobre Deus eram muito mais puras no Judaísmo
do que no mundo greco-romano. Havia no Judaísmo muito menos ateísmo,
indiferença e leviandade do que em qualquer sociedade atual ou anterior.
Acreditava na ressurreição corporal, aplicava-se com seriedade ao proselitismo,
conhecia a “regra áurea” do amor do próximo (já formulada pelo contemporâneo de
Jesus, o rabi Hilel), coisas que já nos fazem descobrir no Judaísmo uma “anima naturaliter christiana”. Havia
certamente não poucos que como Simeão “anelavam a consolação de Israel"
(Lc 2,25); isso pode-se deduzir de fenômenos religiosos como o dos “pobres de
Javé” (os “mansueti et quiescentes”
de III Esdras 11.42 ou de Sabedoria 5.13: “Quem é a esperança dos aflitos e dos
pobres, senão Vós, Senhor? Vós os atendereis; pois quem é misericordioso e
clemente senão Vós? Vós alegrais o coração do humilde, abrindo a vossa mão em
piedade”) ou dos Essênios (com o seu celibato religioso, o seu ascetismo
monacal, as suas abluções rituais intermináveis).(anterior)
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