O camponês e a figueira

O agricultor e a Figueira, James Tissot
Texto do Reverendo Luiz Carlos Ramos † (Terceiro Domingo na Quaresma, Ano C, 2016)

Quando mudei para a casa onde moro, há cerca de 10 anos, entre as árvores do pomar havia duas pereiras. As pereiras não são próprias do nosso clima, elas preferem, como as macieiras, as regiões mais frias. Era compreensível, portanto, que fossem infrutíferas. Os anos foram se passando, e vez por outra, despontava aqui e ali alguma pera mirrada, malformada, insossa. Isso a despeito de todo cuidado que, principalmente a D. Ana, minha sogra, dedica ao nosso pomar e jardim, adubando, regando, limpando…

E lá ficaram, por todos esses anos, aquelas duas árvores, cuja conformação sequer servia para sombra. Ademais, diferente dos plátanos, as folhas das pereiras quando caem se secam de um jeito feio, e por isso dão uma sensação de sujeira, mais do que as outras árvores.

Pois bem, no ano passado, todos em casa concordamos que aquele seria o último ano das famigeradas pereiras. “Ano que vem”, decretamos, “vamos cortá-las e substituí-las por outras árvores mais produtivas.”

Quem me lê já deve ter imaginado o que aconteceu: para nossa surpresa, este ano, as tais pereiras apareceram carregadas de frutas. Produziram muito mais do que conseguimos consumir. Mesmo a Vastí, minha esposa, tendo preparado grandes potes de saborosas peras em calda…

Assim que comecei a notar as delicadas florzinhas  brancas naqueles galhos finos esticados como dedos querendo alcançar as nuvens, e depois o verde claro das peras se destacando em meio às folhas mais escuras, imediatamente lembrei-me do texto bíblico que nos cabe ler na liturgia do Terceiro Domingo na Quaresma:
“Então Jesus contou esta parábola: — Certo sitiante tinha uma figueira no meio da sua plantação de uvas. Mas sempre que ia procurar nela algum figo, não encontrava nenhum. Por isso disse ao camponês encarregado de cuidar da plantação: “Olhe! Já faz três anos seguidos que venho buscar figos nesta figueira e não encontro nenhum. Corte esta árvore! Por que deixar que ela fique roubando a força da terra sem produzir nada?” Mas o empregado, com muito jeito, contrapôs: “Patrão, deixe a figueira ficar mais este ano. Eu vou afofar a terra em volta dela e pôr bastante adubo. Se no ano que vem ela der figos, muito bem. Se não der, então mande cortá-la.” (Lc 13.6-9)

Conta-se, também, de um outro sitiante que ganhou uma macieira do seu irmão, jardineiro afamado por suas habilidade de cultivar maravilhosas árvores. O jardineiro escolheu, para presentear o irmão, a melhor árvore do seu pomar.

Chegando a árvore, o sitiante conjecturou a respeito de qual seria o melhor local para plantar a macieira. “Se eu plantar no morro”, dizia para si mesmo, “o vento pode bater muito forte e derrubar as deliciosas frutas ainda verdes. Se eu plantar muito perto da casa, meus empregados e meus filhos acabarão comendo minhas frutas.” Acabou por plantar a árvore espremida atrás do estábulo, dizendo consigo: “Nenhum ladrão sorrateiro virá aqui roubar minhas maçãs.”

Mas, que pena!, a árvore não deu frutos nem nesse ano nem nos seguintes. Finalmente o sitiante resolveu tirar satisfação com o irmão jardineiro: “Você me enganou! Deu-me uma árvore estéril…” Quando o jardineiro viu onde a árvore tinha sido plantada, disse: “Você plantou a árvore num local exposto somente a ventos frios, sem sol nem calor. Como quer que ela dê flores e frutos? Você, mesquinhamente, lhe negou luz e ar fresco, como quer que ela lhe retribua com generosa colheita?”

Pois é… Antes de nos livrarmos das pessoas nas nossas igrejas, escolas, casa ou trabalho, convém pensar se elas são mesmo tão estéreis como supomos, ou se, ao contrário, não seríamos nós os mal cuidadores, mal adubadores, mal regadores…

Antes de descartarmos uma pessoa da nossa vida, dediquemos um tempo para cuidar dela. Quem sabe se no ano que vem ela não acabe nos surpreendendo, aparecendo diante de nós carregada de deliciosos figos, saborosas maçãs ou suculentas peras…

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