Ciro entrando triunfante na Babilônia, autor não identificado |
Eis aqui mais um texto de alta complexidade entre muitos outros
encontrados na Bíblia. Eis aqui um texto da mais precisa e factual atualidade.
Eis aqui um texto diante do qual não se pode simplesmente fingir que não existe
ou tratá-lo com mais um dos mistérios insondáveis de Deus. Eis aqui um texto
determinante para todo aquele que se propõe a conhecer mais intimamente o Deus
a quem venera. Porém, é um texto que necessita que façamos alguns rápidos
comentários. Mas antes quero dizer que qualquer tentativa de interpretarmos a
complexa profecia de Isaías 45, devemos partir do princípio de que ela começa
no capítulo 44, e que esta deve ser lida e considerada a partir do verso 24
deste capítulo.
Voltando à nossa análise superficial do contexto, vamos
inferir que é um texto do final do período do exílio babilônico e que é dirigido
diretamente a Ciro, o rei persa, na época em que seus exércitos se preparavam
para conquistar a Babilônia, da qual, de um modo muito particular, libertou os
cananeus cativos que lá estavam, inclusive o povo de Israel: Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim
não há Deus; eu te cingirei, ainda que tu não me conheças (Isaías 45.5).
Um dado que deve ser considerado com relevância é o fato de
que Ciro, assim como todo o seu povo, eram seguidores do profeta Zoroastro e
adeptos da religião predominante na Pérsia, o Zoroastrismo. O nosso texto logo
de saída cria uma polêmica providencial contra o dualismo do Zoroastrismo e
contra o seu antagonismo eterno entre Ahuramazda, o deus da luz e da bondade, e
Ahriman, o deus da escuridão e do mal. O texto tem por finalidade destruir, da
mesma forma, a superstição do povo hebreu adquirida ao longo de quase setenta
anos de convivência com a também dualística religião dos babilônicos que também
tinham deuses bons e um maus, nas figuras de Molch e Marduk. Por extensão, serve
para que a igreja faça uma profunda reflexão nos dias de hoje, principalmente
no que diz respeito ao nefasto costume adquirido pela nossa geração de
relativizar a Bíblia. Hoje estamos praticando uma sectarização da sua mensagem entre
textos politicamente corretos, que servem para edificação dos cristãos e que ao
mesmo tempo contam com a simpatia e a aprovação do mundo secular, e outros, que
a exemplo desse nosso texto, deve ser enquadrado em uma categoria de
obscuridade absoluta, que precisam ser reinterpretados e moldados à luz de uma
visão mais holística e contemporânea.
Contra todo esse mal, Isaías deixa patente para Ciro, para
os judeus e para nós que o Deus de Israel não tem oponentes, não tem com quem
dividir a glória da sua criação, nem como a autoria das leis que governam o
universo: Eu fiz a terra, e criei nela o
homem; eu o fiz; as minhas mãos estenderam os céus, e a todos os seus exércitos
dei as minhas ordens (Isaías 45.12).
Ele deixa claro também que o Deus de Israel não tem duas
caras, não sofre de mudanças de humor e muito menos se deixa convencer por
bajulações ou oferendas. Portanto, Ciro fará cumprir a sua ordem sem
contestação e sem esperar qualquer favor em troca: Eu o despertei em justiça, e todos os seus caminhos endireitarei; ele
edificará a minha cidade, e soltará para Cir os meus cativos, não por preço nem
por presente, diz o Senhor dos Exércitos (Isaías 45.13)
Dá para se perceber que um clima de apreensão, morte e
destruição estaria se instaurando. Descortina-se uma situação dramática, porém
que se faz necessária para que a injustiça e a opressão dos babilônicos sejam
devidamente punidas. Um contexto mais que apropriado para fazer valer a força e
a contundência do nosso texto base de hoje: Eu
formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço
todas estas coisas. Isaías 45.7
Deus está chamando para si a responsabilidade sobre os
acontecimentos, desta forma está excluindo qualquer ação dos agentes
imprevisíveis do acaso ou que os eventos sejam vítimas das circunstâncias. Mas
é justamente aqui que alguém me pergunta: que
paz é essa? (continua)
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