Foto Associated Press |
Texto do rev. Luiz Carlos Ramos.
Todos os alimentos e costumes são puros, o coração humano é que é questionável. Isso nos ensinou Jesus quando tratou dos rituais intransigentes de lavagem das mãos. E agora, com a narrativa do encontro com a mulher siro-fenícia, aprendemos que todos os seres humanos também são puros, nossos preconceitos é que nos desumanizam.
O evangelho de Marcos (7.24-37) situa o episódio na região de Tiro e Sidom, a mesma que, por infeliz coincidência, tem estado nas manchetes de todos os últimos noticiários, devido ao drama dos refugiados dessa região que, colocando em risco a própria vida, buscam asilo nos países da União Europeia.
O maior grupo de imigrantes é de sírios, que fogem da violenta guerra civil em curso no país. Afegãos e eritreus vêm em seguida, geralmente tentando escapar da pobreza e de violações aos direitos humanos. Os grupos originários da Nigéria e do Kosovo também são numerosos – pobres e marginalizados integrantes do povo romà (cigano) são boa parte desses imigrantes. De acordo com dados da ONU, mais de 2.500 pessoas morreram este ano tentando atravessar o Mediterrâneo.
Por que essas pessoas arriscam a vida dessa maneira? A resposta de um refugiado que tentou nadar até a Grécia foi: “Que diferença faz morrer na Síria ou no mar?” Infelizmente a única alternativa que lhes resta é a escolha entre o ruim e o pior. Em situações assim extremas não se aceita “Não” como resposta. Não há mar ou oceano, polícia ou fronteira, muro ou cerca, que consiga barrar o instinto de sobrevivência.
Foi o que fez a mulher diante da postura de Jesus, quando este reproduziu o preconceituoso senso comum do seu tempo: “Não-judeus são cães imundos, indignos de se sentarem com nossos filhos à mesa.” Só que Jesus mesmo havia dito um dia que “quem se exalta será humilhado, mas quem se humilha será exaltado”. Pois bem, assim sucedeu. A réplica da mulher, que viera em busca de ajuda para sua filha enferma, é um misto de inteligência humilde e resistência altiva: “Mas Senhor, até mesmo os cachorrinhos que ficam debaixo da mesa comem as migalhas de pão que as crianças deixam cair.”
Tenho a impressão de que a comoção e a consternação que invadiu o coração de Jesus foi a mesma que assaltou boa parte do mundo, quando fomos atingidos com a imagem do menino sírio Aylan Kurdi, de três anos, cujo corpo jazia com o rosto quase enterrado à beira-mar na praia turca de Ali Hoca, no vilarejo de Bodrum… nas regiões de Tiro e Sidom, portanto. Quebrantado, Jesus dirige àquela mulher síria um olhar suplicante de quem pede mil perdões, e pronuncia estas palavras de profundo respeito: “Por causa dessa resposta você pode voltar para casa; já não há sinal de demônio na sua filha.”
O mundo hoje discute: Como lidar com as centenas de milhares de refugiados que batem à porta das nossas casas? Mas quantos de nós estamos cuidando e providenciando para que os preconceitos diabólicos sejam superados, de modo que essa gente sofrida possa voltar para sua própria casa? Oremos por todos os que são obrigados a peregrinar para longe de casa em busca de lar.
Para o 15.º Domingo do Tempo da Peregrinação após Pentecostes (Ano B, 2015)
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