Que Jesus na sua pregação tenha usado abundantemente de parábolas, é muito natural, pois a parábola é um meio catequético e estilístico perfeitamente adaptado à mentalidade do povo judaico (“de sorte que podiam compreender”) e ao caráter semítico em geral; basta comparar o mãSãl da literatura sapiencial.
Além disso, a parábola era no tempo de Jesus um método muito comum de instruir, como podemos deduzir dos escritos rabínicos. A finalidade geral de Jesus era portanto certamente instruir por meio das parábolas e (como evidenciam a forma e o conteúdo das parábolas) propor ao povo, de modo concreto e compreensível até para os mais simples, aquela realidade eminentemente sobrenatural que era o Reino de Deus por Ele pregado, sua essência e as disposições necessárias para nele entrar. Ao mesmo tempo, porém, a parábola, em virtude de sua própria natureza, tem algo de obscuro, algo de enigmático que estimula o espírito dos ouvintes, mas exige também, geralmente, alguma explicação.
Ora, os sinóticos dizem precisamente que Jesus não dava ao povo tal explicação (Mc 4.13), e quando os discípulos, admirados, perguntaram por que procedia assim, respondeu alegando ou aludindo a Is 6.9. Aos discípulos os segredos do Reino de Deus são revelados, mas aos que "estão fora” (o povo e os fariseus; Mc 4.11) são comunicados sob o véu da parábola (Mc 4.10-12; Mt 13.10-15; Lc 8.9). Esse texto difícil, que os sinóticos formulam de maneiras diferentes, foi causa de uma discussão, sobretudo entre doutos católicos, a respeito da finalidade das parábolas. Hoje é mais ou menos comum a opinião de que essas palavras não podem ser interpretadas neste sentido de que Jesus, puramente para castigar a massa pela sua incredulidade, a tivesse obcecado ainda mais, propositadamente, pela forma obscura do seu novo método de ensinar.
Jesus era muito mais “profeta” do que “apocalíptico”. E é preciso tomar cuidado para não se enganar com as expressões usadas de Is 6.9 que, de modo tipicamente semítico, descreve como diretamente intencionado por Deus o que deve ser interpretado antes como uma consequência prevista e permitida por Deus (também Mc 4.11 pode ser entendido em sentido causal). As palavras de Jesus significam que a crescente incredulidade do povo (pegando bem o núcleo das parábolas, mas fechando-se moralmente para o seu valor) tornava impossível uma anunciação clara do Reino; significam que Jesus só podia apresentar a verdade sobrenatural nesta forma misteriosa, pela qual se proporcionava à massa a pouca luz que podia suportar. Pois o conteúdo de quase todas as parábolas diz respeito ao Reino de Deus, e as concepções grosseiras e materialistas do povo judaico tomavam impossível uma pregação clara sobre tal assunto.
“Não podemos admitir a tese dos que julgam descobrir em toda parte uma oposição entre o nível simples de Jesus e a parênese eclesiástica” (Joaquim Jeremias), a qual, parábola, se manifestaria na explicação (alegorizante) das parábolas. João contém duas imagens elaboradas que se podem comparar com as parábolas dos sinóticos, a saber, a do bom pastor (10,1) e a da videira verdadeira (15.1). São (sobretudo a segunda) mais alegóricas do que as parábolas dos sinóticos e têm as características gerais joaninas. Mas não há motivo suficiente para distingui-las essencialmente das parábolas dos sinóticos. Outros, no entanto, veem aqui uma diferença essencial.
Uma comparação das parábolas dos sinóticos com as do Talmude mostra que pertencem formalmente ao mesmo gênero. Os doutores rabínicos da Palestina usavam-nas largamente. Jesus, portanto, serviu-se de um meio estilístico e catequético que no seu tempo já era usual e fixado. Mas manejou esse gênero com mestria e simplicidade sublimes, enchendo essa forma com um conteúdo e um espírito que elevam as suas parábolas incomparavelmente acima dos produtos análogos do Talmude. Enquanto usa a forma convencional, e se inspira, na escolha de suas imagens, na vida cotidiana palestinense, Jesus mostra um domínio tão suave da arte, que as suas parábolas satisfazem às mais altas exigências, também do ponto de vista estético. São concretas, vivas e assim mesmo universalmente humanas; são sóbrias e limitam- se ao essencial, mas dão ao mesmo tempo uma caracterização tão fina de situações e caracteres, que muitas parábolas são consideradas com razão como pérolas da literatura mundial.
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