Cristo nosso pastor, Bertram Poole |
Primeiro Testamento
A piedade nas relações humanas. Em hebraico, a
piedade (hesed) designa primeiramente
a relação mútua que une familiares, amigos e aliados. É uma afeição que implica
uma ajuda mútua eficaz e fiel. A expressão fazer
hesed indica que a piedade se manifesta por atos. No binômio hesed/emet, piedade-fidelidade, os dois
termos se compenetram; o segundo designa uma atitude interior sem a qual a
bondade, designada pelo primeiro, não será perfeita. Para os LXX, que traduzem hesed por eleos (compaixão), o essencial da piedade parece ser a bondade
compassiva.
A piedade nas relações com Deus. Este vínculo humano
é tão forte que a hesed possibilita
compreender o vínculo que Deus, pela aliança, estabeleceu entre si e seu povo.
À piedade de Deus, isto é, ao seu amor misericordioso por Israel, seu
primogênito, deve corresponder uma outra piedade, isto é, a afeição filial,
que será expressa pela obediência fiel e pelo culto. Desse amor praticado para
com Deus deve decorrer um amor fraternal entre os homens, imitação da bondade
de Deus e de sua solicitude para com os pobres. Por isso, para definir a
verdadeira piedade, Miquéias a une à justiça, ao amor e à humildade: Mq 6.8 - o que é bom e que é o que o SENHOR pede de
ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o
teu Deus.
Essa é a definição dos profetas e dos sábios. Para Oséias, a
piedade não está nos ritos, mas no amor que os anima, inseparável da justiça e
da fidelidade à Lei. Para Jeremias, Deus se nos dá como modelo de piedade e de
justiça. Algumas vezes vemos que a piedade está comprometida quando os pobres
são oprimidos e se viola a justiça. Nos Salmos, o culto do homem piedoso (hb - hasid; gr - hosios ou eusebes) se exprime num louvor amoroso, confiante e
alegre que engrandece a piedade de Deus. Contudo, esse culto não é bem aceito
se não estiver unido à fidelidade. Deus concede a sabedoria aos homens piedosos
que não separam culto e caridade, e eles tiram proveito de todos os bens
criados por Deus.
É essa piedade integral que, no tempo dos Macabeus, anima os
Assideus (de hasidim: piedoso): eles
lutam pela sua fé até à morte; a piedade que os torna fortes está certa da
ressurreição. Tal é também a piedade mais forte que tudo cuja vitória no Juízo
final a Sabedoria canta a oposição justo/ímpio. Desta piedade estará dotado o
Messias que estabelecerá aqui na terra o Reino de Deus.
Segundo Testamento
A piedade de Cristo. A expectativa dos que desejavam servir
a Deus na piedade (hosiotes) e na
justiça é satisfeita pela piedade eleos
de Deus que envia o Cristo. Cristo é por excelência o piedoso. Sua piedade
filial o faz cumprir em tudo a vontade de Deus, seu Pai; ela o leva a lhe
oferecer um culto perfeito; ela inspira a ardente prece de sua agonia e a
oferenda do doloroso sacrifício pelo qual ele nos santifica; sendo, assim, o
Sumo Sacerdote piedoso de que precisávamos, ele é ouvido por Deus por causa de
sua piedade. Por isso o mistério de Cristo é chamado “o mistério da piedade” (l
Tm 3,16), nele a piedade de Deus realiza o seu desígnio de salvação; nele a
piedade do cristão tem sua fonte e seu modelo.
A piedade do
cristão. Deus já considerava agradáveis os homens de toda nação que,
por suas preces e suas esmolas animadas pelo temor de Deus, participavam da
piedade judaica em seus dois elementos, o culto divino e a prática da justiça;
tais são o judeu Simeão, os homens vindo a Jerusalém para Pentecostes, o
centurião Cornélio. Essa piedade é renovada por Jesus e pelo dom do Espírito.
Notamos nos Atos dos Apóstolos alguns desses homens piedosos eulabes, como Ananias ou os cristãos que
vêm sepultar Estevão. Segundo a linguagem paulina, o culto deles é agora animado
por um espírito filial para com Deus, e a justiça deles é a da fé que opera
pela caridade. Essa é a piedade (hosiotes)
do homem novo, a verdadeira piedade cristã que Paulo contrapõe às práticas
vãs de uma piedade falsa e meramente humana; por ela rendemos a Deus um culto
agradável, com religião eulabeia e temor.
Nas epístolas pastorais e na segunda epístola de São Pedro,
a piedade está entre as virtudes fundamentais do pastor, do homem de Deus; ela
é necessária também a todo cristão. Sublinham-se dois de seus aspectos. Primeiramente,
ela liberta do amor ao dinheiro; ao contrário da falsa piedade ávida de lucros,
ela se contenta com o necessário, e seu lucro é esta liberdade mesma. Em segundo
lugar, ela dá a força para suportar as perseguições que são o quinhão daqueles
que têm a piedade de Cristo por modelo. Sem esse desprendimento e sem essa
constância, não há senão aparências de piedade. À verdadeira piedade são prometidos
o socorro de Deus nas provações desta vida e a vida eterna.
Assim compreendida, a piedade designa enfim a vida cristã
com todas as suas exigências; para corresponder ao amor daquele que é o único
Piedoso, o cristão deve imitá-lo e com isso revelar aos seus irmãos a
fisionomia do Pai celeste.
Fonte: Vocabulário de Teologia Bíblica - Vozes - 1984
Fonte: Vocabulário de Teologia Bíblica - Vozes - 1984
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