Lucas e os judeus

A escolta de Paulo, www.outsetministry.org
Chamando dois centuriões, ordenou: Tende de prontidão, desde a hora terceira da noite, duzentos soldados, setenta de cavalaria e duzentos lanceiros para irem até Cesaréia; preparai também animais para fazer Paulo montar e ir com segurança ao governador Félix. Atos 23.23-24

Tenho tentado argumentar algumas vezes sobre a discriminação que o autor dos Atos dos Apóstolos tem velada e sistematicamente exercida contra o povo judeu do I século. Valho-me, principalmente, das quase trinta situações trágicas em que os apóstolos e discípulos se viram envolvidos, tanto pela culpa destes mesmos judeus, quanto da sua liderança religiosa, segundo expõe Lucas.

 Mas os judeus, vendo as multidões, tomaram-se de inveja e, blasfemando, contradiziam o que Paulo falava (13.45). Mas os judeus instigaram as mulheres piedosas de alta posição e os principais da cidade e levantaram perseguição contra Paulo e Barnabé, expulsando-os do seu território (13.50) Quando amanheceu, os judeus se reuniram e, sob anátema, juraram que não haviam de comer, nem beber, enquanto não matassem Paulo (23.12). São estes os tipos de citações às quais me refiro, mas outras mais graves, tais como: E alguns judeus, exorcistas ambulantes, tentaram invocar o nome do Senhor Jesus sobre possessos de espíritos malignos, dizendo: Esconjuro-vos por Jesus, a quem Paulo prega (19.13), onde ele faz uma associação direta deles com os símbolos máximos da maldade. Embora o
Judaísmo não representassem para os cristãos da época uma religião antagônica ou mesmo estranha.

Também, de forma bem escancarada, Lucas tenta desonerar os romanos por todo mal estava sobrevindo sobre a igreja, como também o que sobreveio a Jesus, inclusive a crucificação. Este homem foi preso pelos judeus e estava prestes a ser morto por eles, quando eu, sobrevindo com a guarda, o livrei, por saber que ele era romano (23.27). Para Lucas, embora Jesus tenha sido torturado e morto por exclusiva força do império romano, foram os judeus que levaram a situação a este clímax. 

Porém, há um fato, que me quase escapou entra as linhas deste poderoso texto, mas que me mostrou objetivamente o ódio com que aquele povo recebeu a igreja primitiva: a escolta que acompanhou Paulo no seu trajeto para Roma. É justamente o nosso texto de hoje. Observem que dois centuriões, setenta homens de cavalaria e duzentos lanceiros não seriam disponibilizados apenas para evitar que Paulo escapasse da ordem de prisão. A ameaça também não teria como ter partido das poucas dezenas de cristãos recém-convertidos, em uma possível tentativa de soltar o pastor do seu rebanho. Resta-nos, então, a conclusão de que não era uma escolta para impedir uma fuga, mas sim um sequestro, pois somente o Sinédrio poderia arregimentar um efetivo que justificasse tamanha proteção.

Não é minha pretensão nomear, justificar ou condenar pessoas ou grupos das atrocidades ocorridas com os nossos irmãos da igreja do início do Cristianismo. Gostaria apenas de mostrar as dificuldades que precisariam ser vencidas para que a nossa fé vingasse. Não bastasse ela não ter uma tradição secular; não bastasse ela não ser uma religião de mistérios, o que muito atrairia o interesse dos romanos; não bastasse ele ter nascido em um obscuro recanto irrelevante política e socialmente falando; não bastasse o seu líder ter morrido na presença de muitos e ressuscitado apenas para poucos, havia que ter também toda uma repressão do meio do qual ela nasceu.

O teólogo Paulo Richard, um dos colaboradores do livro A luta dos Deuses, tem para mim a chave para desvendar as razões reais desse enigma, quando ele diz: em um mundo oprimido, a evangelização deve chocar-se fundamentalmente com a idolatria e não com o ateísmo. Tenho para mim que este é no momento em que vivemos hoje podemos trocar a palavra oprimido por globalizado. Por esta simples troca vamos inferir que maior perigo à fé cristã hoje não vem das forças inimigas, das perseguições assassinas ou mesmo dos pensadores antagonistas, mas de dentro da própria igreja, quando esta tenta fazer do Cristianismo uma fé conservadora, burguesa e acomodada.

Não foi em favor da lei judaica que os judeus do tempo de Jesus se levantaram, mas sim contra as novidades e desafios que a fé cristã impunha sobre a sua cômoda tradição. Não são as descoberta da ciência ou crescente intelectualismo dos ateus, mas as coisas velhas de outras religiões que estamos tentando impingir aos membros de nossa igreja de hoje. (continua)

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