Astaroth, Henri Picou |
Os astros no paganismo
antigo.
Mais que nós, o
homem do antigo Oriente era sensível à presença dos astros. Sol, lua, planetas
e estrelas lhe evocavam um mundo misterioso diferente do nosso: o do céu que
ele representava sob a forma de esferas sobrepostas, onde os astros inscreviam
suas órbitas. Seus ciclos regulares permitiam-lhe medir o tempo e estabelecer
seu calendário; mas também lhe sugeriam que o mundo era governado pela lei do
eterno retorno e que lá do alto os astros impõem às coisas da terra certos
ritmos sagrados, sem conexão com os acasos flutuantes da história.
Pareciam-lhe,
portanto, ter esses corpos luminosos poderes sobrenaturais que dominam a
humanidade e determinam seus destinos. A essas potências rendiam-se
espontaneamente culto, para garantir seu favor. O sol, a lua, o planeta Vênus
etc. eram para eles outros tantos deuses ou deusas, e as próprias constelações
desenhavam no céu enigmáticas figuras, às quais davam nomes míticos. Esse
interesse pelos astros os levava a observá-los metodicamente: Egípcios e mesopotâmios
eram renomados por seus conhecimentos astronômicos; mas essa ciência embrionária
estava estreitamente ligada às práticas divinatórias, mágicas e idolátricas.
Assim, o homem da antiguidade estava como que subjugado por poderes temíveis
que pesavam sobre seu destino e lhe mascaravam o verdadeiro Deus.
Os astros, servos
de Deus.
Abre-se a Bíblia e
essa atmosfera muda radicalmente. Por certo, os astros ainda não se distinguem
bem dos anjos, que constituem a corte de Deus (Job 38.7; Sl 148.2s): esses
“exércitos celestes” (Gn 2.1) são vistos como seres animados. Mas são criaturas
como todo o resto do universo (Am 5.8; Gn 1.14ss). É a chamado de Javé que eles
estão brilhando em seu lugar, por sua ordem é que intervém para apoiar os
combates de seu povo (Js 10.12s; Jz 5.20). Os astros não são, portanto,
deuses, mas servos de Javé Sabaoth.
Se regulam o tempo, se presidem ao dia e à noite, é porque Deus lhes marcou
estas funções precisas (Gn 1.15s). Pode-se admirar o brilho do sol (Sl 19.5ss),
a beleza da lua (Ct 6.10) e a ordem perfeita das revoluções celestes (Sb 7.18ss);
mas tudo isto canta a glória do Deus único (Sl 19.2), que determinou as
"leis dos céus” (Job 38.31ss). Assim os astros não ocultam o seu Criador,
mas o revelam (Sb 13.5). Purificados de seu significado idolátrico, eles
simbolizam agora as realidades terrestres que manifestam o desígnio de Deus: a
multidão dos filhos de Abraão (Gn 15.5), a vinda do Rei davídico (Nm 24.17), a
luz da salvação futura (Is 60.1ss) ou a glória eterna dos justos ressuscitados
(Dn 12.3).
Sedução ao paganismo.
Apesar dessa firmeza da revelação bíblica, Israel não escapa
à tentação dos cultos astrais. Nos períodos de regressão religiosa, o Sol, a
Lua e todo o Exército dos céus conservam ou reencontram adoradores (II Rs 17.16;
Ez 8.16): por um temor instintivo desses poderes cósmicos, procura-se
torná-los propícios. Fazem-se oferendas à “Rainha do céu”, Ishtar, o planeta
Vênus (Jr 7.18; 44.17ss); observam-se os “sinais do céu” (Jr 10.2) para ler
neles os destinos (Is 47.13). Mas eleva-se contra esse retorno ofensivo do
paganismo a voz dos profetas: o Deuteronômio o estigmatiza (Dt 4.19; o rei
Josias intervém brutalmente para extirpar suas práticas (II Rs 23.4); aos adoradores
dos astros promete Jeremias o pior dos castigos (Jr 8.1s). Será, porém,
necessária a provação da dispersão e do exílio para que Israel convertido se
desapegue enfim desta forma de idolatria (cf. Job 31.26ss), cuja vaidade a
Sabedoria alexandrina proclamará bem alto.
Dos astros aos anjos maus.
Essa luta secular contra os cultos astrais teve repercussões
no domínio das crenças. Se os astros assim constituem uma armadilha para os homens,
afastando-os do verdadeiro Deus, não será isto sinal de que estão eles próprios
ligados a potências más, hostis a Deus? Entre os anjos que formam o Exército do
céu não haverá decaídos que se esforçam por atrair os homens para si,
fazendo-se adorar por eles? O velho tema mítico da guerra dos deuses
subministra aqui todo um material, que permite representar poeticamente a
queda das potências celestes revoltadas contra Deus (Lúcifer: Is 14.12-15). A
figura de Satã, no Segundo Testamento, enriquecer-se-á desses elementos
simbólicos (Ap 8.10; 9.1). Por conseguinte, não se admira ver anunciado, para o
Dia de Javé, um julgamento do Exército dos céus, punido junto com seus
adoradores terrestres (Is 24.21ss): em vez dos demônios e em seu lugar,
aparecem aí os astros.
No universo resgatado pelo Cristo, os astros reencontram o
seu papel providencial. A cruz libertou os homens da angústia cósmica, a que
aterrorizava os colossenses: eles não estão mais escravizados aos “elementos do
mundo”, agora que o Cristo “despojou os Principados e as Potestades” para
“arrastá-los em seu cortejo triunfal” (Cl 2.8.15-18; Gl 4.3). Já não há
determinismo astral, nem destinos inscritos no céu: Cristo pôs fim às superstições
pagãs. Um astro é entendido como revelando o seu nascimento (Mt 2.2),
designando-o a ele próprio como a Estrela da manhã por excelência (Ap 2.28; 22.16),
na expectativa de que esse mesmo astro se levante em nossos corações (II Pe 1.19).
Ele é o verdadeiro sol que ilumina o mundo renovado (Lc 1.78s). E se é certo
que o escurecimento dos astros preludiará como um sinal à sua Parusia gloriosa
(Mt 24.29; Is 13.9s; 34.4; Jl 4.15), assim como assinalou o momento de sua
morte (Mt 27.45), é porque no mundo vindouro esses luminares criados se
tornarão inúteis: a própria glória de Deus iluminará a Jerusalém Nova, e o
Cordeiro será sua lâmpada (Ap 21.23).
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