A colheita, autor não identificado |
Como a
vindima, a messe significa, aos olhos do camponês, o fruto do seu trabalho e a
garantia da sua subsistência anual. Este juízo proferido pela natureza sobre o
trabalho do homem pode significar também o julgamento de Deus.
A alegria dos
ceifeiros
A colheita
da cevada (abril) e a do trigo (maio) são ocasião de regozijo popular: de
colina em colina propaga-se o canto das turmas de ceifeiros, fazendo esquecer a
dura fadiga do trabalho com a foice sob um sol inclemente. Nessa alegria Javé
não é esquecido: a colheita é o sinal e o resultado da bênção divina. A Deus
que deu o crescimento se deve a ação de graças; ela se exprime pela festa
litúrgica da Messe, Pentecostes, em cujo transcurso se oferecem as ‘primícias
da colheita, especialmente o primeiro feixe.
O ceifador
deve também compartilhar a sua alegria com os outros, mostrando-se liberal. A
Lei prescreve “não amordaçar o boi que está debulhando” (Dt 25,4; I Co 9,9) e
sobretudo “não ceifar até a extremidade do campo e não recolher o restolho” (Lv
19,9; Dt 24,19), para reservar a parte do pobre e do estrangeiro. Foi essa
liberalidade que valeu a Boaz o encontrar e desposar Rute a estrangeira,
considerada como a ancestral de Davi e do Messias.
Mas essa
alegria legítima e fraternal não deve prender à terra o olhar do camponês. É o
que sem dúvida queria inculcar a Lei relativa ao ano sabático, que mandava
deixar a terra em repouso a cada sete anos, convidando o camponês a voltar a
uma vida pastoril e a mais se entregar às mãos de Deus somente. É o que Jesus
particulariza: é preciso abandonar-se ao Pai celeste, “como os corvos que não
semeiam nem fazem colheita” (Lc 12,24 p). O camponês, portanto, não porá sua
segurança nem sua esperança nos seus celeiros cheios de trigo, não acumulará
para si próprio, e sim “em vista de Deus” que um dia há de colher a sua alma
(Lc 12,16-21).
A colheita e
a semeadura
A colheita é
o fruto da semeadura. Entre elas há correspondência em diferentes graus.
Colhe-se o que se semeou; sem preparo não há messe; “quem semeia injustiça
colhe desgraça” (Pv 22,8); fazer semeadura de justiça é colher messe de
bondade. Isso tudo significa que “Deus dá a cada um conforme o fruto de suas
obras” (Jr 17,10). É inútil protestar dizendo com o servo preguiçoso: “Deus
colhe onde não semeou” (Lc 19,21), pois criando e remindo os homens Deus
semeou a sua Palavra em todos os corações.
Se a messe
está em relação com a semeadura, ela muitas vezes se faz num clima espiritual
diferente. “Os que semeiam entre lágrimas colhem entre cânticos” (Sl 126,5).
Ela difere na medida; por certo “quem semeia parcamente parcamente colherá, e
quem semeia largamente largamente colherá” (II Co 9,6), mas, à maneira de Deus
sempre superabundante em suas obras, pode a colheita exceder à semeadura e chegar
até ao cêntuplo, como no caso de Isaac ou da terra boa que recebe a Palavra de
Deus.
Enfim,
embora o ideal seja colher o que se semeou, Deus distribuiu os tempos da
semeadura e das messes de sorte que o homem deve pacientemente aguardar
enquanto o grão amadurece, mas com plena confiança, a despeito do provérbio:
“Um semeia, outro colhe” (Jo 4,37).
A colheita,
juízo de Deus
Colhendo as
obras dos homens, Deus as julga segundo a sua justiça. Esse juízo que terá
lugar no fim dos tempos é antecipado pela vinda de Cristo.
No dia de
Javé a messe apresenta duas faces. Ela é recolhida, eis a alegria; ela é
cortada, batida no chão, calcada pela trilhadeira, queima-se enfim a palha, eis
o castigo.
Como um
ceifeiro, Deus corta, esmaga e joeira quando pune Israel ou Babilônia. E quando
a malícia dos homens chega a seu auge, é preciso “lançar a foice: a messe está
madura” (Jl 4,13), a do julgamento dos povos. Mas ao mesmo tempo, por um
contraste radical que se reflete nos oráculos proféticos, sobrevêm o anúncio da
alegre ceifa.
Nos tempos
messiânicos esse anúncio torna-se realidade com a vinda de Jesus.
O semeador e
o seifeiro.
Enquanto
para o Precursor Cristo é aquele que joeira e limpa a sua eira, que separa o
trigo das palhas, para os cristãos Jesus é ao mesmo tempo o Semeador por
excelência que esparge a Palavra no coração dos homens e o Ceifeiro que mete a
foice no campo em que a messe está no ponto. Não há que esperar: “Os campos
estão loiros para a ceifa...; o semeador partilha assim a alegria do ceifador”
(Jo 4,35).
Os obreiros
da sega.
Se a messe
já está madura, o Senhor chama à tarefa. Os discípulos, enviados ao mundo, recolherão
o fruto do trabalho de seus predecessores, sobretudo de Jesus que pagou com seu
sangue a multiplicação dos grãos de trigo. Nisto continua verdadeiro o
provérbio que distingue o semeador dos ceifeiros. Contudo, os próprios
ceifeiros serão “passados ao crivo” da provação e da perseguição.
À espera da
sega final.
Se é verdade
que o novo Pentecostes inaugura a colheita da Igreja, esta contudo só se
completará no Dia do Senhor, quando o Filho do homem lançar sua foice na messe
enfim madura. Até então continuará o joio misturado ao bom cereal; a Igreja
deve julgar e condenar o mal, mas não tem por missão atirar o malvado ao fogo.
E’ o Filho do homem que, no fim dos tempos, enviará os seus anjos para
executar o julgamento que tiver pronunciado sobre as obras dos homens.
Fonte: Vocabulário de Teologia Bíblica. Vozes. 1984.
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