De eternidade à eternidade, Lucas Cranach |
É evidente
que esse modo de ser é o privilégio exclusivo de Deus; até os anjos ainda estão
sujeitos a mudança e não são, por conseguinte, eternos em sentido estrito.
No Primeiro
Testamento.
Essa noção
profunda, filosófica de eternidade é o fruto de especulações abstratas sobre a
essência do tempo. Como tais especulações eram estranhas aos antigos
israelitas, pensa-se facilmente que o Primeiro Testamento não tenha conhecido a
ideia de eternidade, ou apenas conhecido vagamente. Isso não é totalmente
exato. Numerosos textos provam que existia uma concepção certa do que é próprio
à existência eterna de Deus. No entanto, o Primeiro Testamento pensava e
formulava a eternidade de Deus em categorias que em si se referem ao tempo. A eternidade
era concebida como um tempo sem fim. Isso prova que a única fonte para essas
ideias era o conceito bem acertado que Israel tinha sobre Deus. Não havia uma
palavra especial para eternidade; geralmente lançava-se mão do termo ‘õlam, que significa tanto o passado
remoto como o futuro longínquo. Muilenburg relaciona esta palavra com o acádico
ullãnu = longínquo; ‘õlãm seria, portanto, o tempo mais
remoto do atual século.
Como cognome
de Deus ‘õlãm e usado em Gn 21.33; ’êl ‘õlãm, o Deus de eternidade, forma
semelhante a ’êl sadday e ’ê! ‘elyõn. Talvez essa denominação
exprima a convicção de que o deus El
existiu desde tempos antiquíssimos, isto é, desde sempre. Em textos ugaríticos
o deus El, venerado em Ugarit, é
chamado “pai dos anos”, sendo considerado como o deus mais velho, enquanto Baal é considerado como mais novo. Essa existência
divina desde sempre exprime-se em Dan 7.9 pela imagem do “ancião”, em Jó 36.26
pela frase: “o número de seus anos é incalculável”. Entretanto, o ‘õlam de Gên 21.33 pode ser interpretado
também no sentido de duração futura. É esse certamente o sentido da palavra no
nome smá ‘lm “o sol eterno, inalterável”,
na inscrição da porta da cidade de Kara-tepe. O fato de o sol repetir sem fim o
seu percurso, sugeria a ideia de ele ser imperecível. A denominação ’el ‘olãm significaria então que o culto
no santuário de Bersabé acentuava particularmente a existência imperecível,
perdurável, de El. A mesma ideia da
perpetuidade imperecível, que o uso do plural (pluralis intensttatis) toma ainda mais enfático, exprime-se em Is 26.4:
“Javé é uma rocha eterna”.
Apesar da
importância de Bersabé no antigo Israel, como alvo de peregrinações, foi só no
Dêutero Isaías que esse cognome divino ficou mais bem definido. Esse autor não baseava
mais a sua noção da eternidade de Deus nos ciclos sem fim repetidos da
natureza, mas no fio da história, dirigida por Deus. Deus é um “Deus eterno”
porque Ele é o criador da terra, “é o primeiro, e ainda estará com os últimos” ;
“antes dele não houve Deus, e não haverá outros depois dele”. O autor sagrado
compreende que essa duração eterna inclui imutabilidade. Não menos explícito é
o Sl 90: a existência de Deus remonta a um passado, anterior à criação, e permanecerá
sem alteração até o futuro mais longínquo. Essa duração sem principio e sem fim
é bem sugerida pela expressão “de eternidade à eternidade” Sl 90.2; 103.17, que
significa propriamente: “do passado mais remoto até o futuro mais longínquo”.
Cada vez
melhor compreendia-se que a existência eterna é uma propriedade exclusivamente
divina, onde Deus é chamado “o Eterno”. Aliás, o Dêutero Isaías já se impressionava
com o contraste entre a eternidade da palavra de Deus, da sua ajuda, da sua
salvação, justiça e misericórdia e a transitoriedade das criaturas. Em Is 60.19
Javé é chamado “luz eterna”, em sentido, naturalmente, mais profundo do que
quando sol e lua são chamados assim.
No Segundo
Testamento.
No ST encontramos
a mesma doutrina que no PT, sem acréscimos importantes. Rom 16.26 usa a mesma
expressão que Gn 21.33 e Is 40.28; Tg 1.17 insiste na imutabilidade de Deus.
Para indicar a transcendência da existência eterna de Deus, I Cor 2.7 e Cl 1.26
falam em “antes dos séculos”, isto é, antes do início da duração inimaginável
deste mundo. Nos últimos séculos antes de Cristo estava muito em voga o epíteto
divino “rei dos séculos”, costume esse que se reflete ainda em I Tm 1.17 e que
já se constata nos livros do PT (Sl 10,16; 29.10; 66.7; 93.1; 145.13; Jer 10.10
conforme os LXX). Em numerosos textos “eterno” é o oposto a “efêmero, mutável”;
ser eterno, nesses textos, é o atributo do que é divino ou espiritual (II Co 4.18;
II Ts 2.16; Hb 9.14); isso vale sobretudo da noção “vida eterna”: Jo 3,15 - Para que todo o que nele crê tenha a vida
eterna.
Fonte:
Dicionário Enciclopédico da Bíblia, A Van Den Born - Vozes 1985
Fonte:
Dicionário Enciclopédico da Bíblia, A Van Den Born - Vozes 1985
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