O cuidado de Madre Teresa, Anjolie Ela Menon |
Nos
evangelhos, a expressão “Filho do Homem”, decalque grego dum aramaico que se
deveria traduzir “Filho de homem”, é encontrado 70 vezes. Às vezes ela não é
senão um equivalente do pronome pessoal “eu”. A exclamação de Estevão que vê “o
Filho do homem de pé à direita de Deus” (At 7.56) pode indicar que essa
concepção estava viva em certos ambientes da Igreja nascente. Mas esta
influência não poderia explicar todas as ocorrências evangélicas da expressão.
O fato dela aparecer exclusivamente nos lábios de Jesus supõe que era
considerada como uma das suas expressões típicas, ao passo que a fé pós-pascal
o designava de preferência sob outros títulos.
Acontece que
Jesus nem sempre se identifica explicitamente com o Filho do Homem, mas algumas
vezes está claro que ele o faz. E’ possível que ele haja escolhido a expressão
em vista de sua ambiguidade: suscetível dum sentido banal (“o homem que eu
sou”), ela encerrava também uma clara alusão à apocalíptica judaica.
Os Evangelhos
Sinóticos
As
descrições escatológicas de Jesus estão ligadas à apocalíptica; o Filho do
Homem virá sobre as nuvens do céu, se assentará sobre seu trono de glória e julgará
todos os homens. Ora, no decurso do seu processo, interrogado pelo Sumo
Sacerdote para saber se ele é “o Messias, Filho do Bendito", Jesus responde
indiretamente à questão identificando-se com aquele que está assentado, à
direita de Deus e vem sobre as nuvens do céu. Essa afirmação faz que ele seja
condenado por blasfêmia. De fato, descartando qualquer concepção terrena do Messias,
Jesus deixou transparecer a sua transcendência. O título de Filho do Homem, de
acordo com seus antecedentes, era apto para essa revelação.
Por outro
lado, Jesus ligou também a esse título um conteúdo que a tradição apocalíptica
não previa diretamente. Ele vem realizar na sua vida terrestre a vocação do Servo
de Javé, rejeitado e condenado à morte para ser finalmente glorificado e salvar
as multidões. Ora, é na qualidade de Filho do Homem que ele deve enfrentar esse
destino, antes de aparecer em glória no último dia. O Filho do Homem terá
levado uma vida terrestre em que a sua glória estava velada na humilhação e no
sofrimento, assim como, no Livro de Daniel, a glória dos santos do Altíssimo
pressupunha a sua perseguição. Por isso, para definir o conjunto da sua
carreira, Jesus prefere o título de Filho do Homem ao de Messias, demasiado
engajado nas perspectivas temporais da esperança judaica.
No
rebaixamento desta condição escondida ele pôde suportar as blasfêmias que se
proferiram contra ele, Jesus não deixa de começar a exercer alguns dos poderes
do Filho do Homem, tais como: perdão dos pecados, senhorio sobre o sábado,
anúncio da Palavra. Essa manifestação da sua dignidade secreta anuncia em
certa medida a do último dia.
O quarto
evangelho.
Os textos joaninos
sobre o Filho do Homem recobram, à sua maneira, todos os aspectos do tema que
notamos nos Sinóticos. O aspecto glorioso: é como Filho do Homem que o Filho
de Deus exercerá no último dia o poder de julgar. Ver-se-ão então os anjos a
subir e descer sobre ele, e essa glorificação final manifestará a sua origem
celeste, pois ele tornará a subir para onde estava antes. Mas antes disso ele
terá que passar por um estado de humilhação em que os homens terão dificuldade
em descobri-lo para nele crer. Para eles poderem comer sua carne e beber seu
sangue será preciso que sua carne seja dada para a vida do mundo como
sacrifício. Contudo, na perspectiva joanina, a cruz se confunde com a volta ao
céu do Filho do Homem para constituir a sua elevação: É preciso que seja elevado o Filho do Homem, aí está paradoxalmente
a sua glorificação, e é por ela que se faz a revelação completa do seu
mistério: Então sabereis que Eu Sou.
Compreende-se que, por antecipação dessa glória final, o Filho do Homem exerce
desde já certos poderes seus: notadamente julgar e vivificar os homens pelo
dom da sua carne, alimento que só ele pode dar porque o Pai o assinalou com seu
selo.
Os escritos
apostólicos
O recurso a
esse mesmo símbolo é muito raro no resto do Segundo Testamento, com exceção de
algumas passagens apocalípticas. Estevão vê Jesus na glória, à direita de Deus,
na situação de Filho do Homem. Assim também o vidente do Apocalipse, que
contempla de antemão sua parusia para a colheita escatológica. Talvez São Paulo
se lembre igualmente deste tema quando descreve Jesus como o Adão celeste cuja
imagem os homens ressuscitados revestirão. Enfim, aplicando a Jesus o Salmo 8.5,
a epístola aos Hebreus vê em Jesus “o homem”, o “filho de homem”, rebaixado
antes de ser chamado à glória. Chegando a esse ponto, a reflexão cristã faz a
ligação entre o “filho de Adão” dos salmos, o Filho de homem dos apocalipses e
o novo Adão de São Paulo. Como filho de Adão, Jesus partilhou da nossa condição
humilhada e sofredora. Mas, porque era desde esse momento o Filho do Homem de
origem celeste chamado a retomar para o dia do julgamento, sua paixão e sua
morte o conduzem à sua glória de Ressuscitado, na qualidade de novo Adão, chefe
da humanidade regenerada. Nele se realizam as duas figuras de Adão contrastadas
em Gn 1 e Gn 3. Por isso quando ele for manifestado no último Dia, ficaremos
admirados de já o havermos encontrado, misteriosamente escondido no menor dos
seus irmãos necessitados: Em verdade vos
digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o
deixastes de fazer. Mt 25.45.
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