Última Ceia, John Swanson |
A conversão
do desejo
A novidade
do evangelho está, em primeiro lugar, em explicitar com absoluta limpidez
aquilo que no Primeiro Testamento estava apenas implícito: O que procede do coração é que torna o homem impuro (Mt 15.18); ela
está, sobretudo, em proclamar como uma certeza a libertação das concupiscências
que mantinham o homem a elas acorrentado. Essas concupiscências, esse desejo da
carne, é a morte (Rm 8.6), mas o cristão que tem o Espírito de Deus é capaz de
seguir o desejo do Espírito, de crucificar a carne com suas paixões e
concupiscências (Gl 5.24) e de se deixar guiar apenas pelo Espírito (Gl 5.16).
Esse desejo
do Espírito liberado por Cristo, já estava presente na Lei, que é espiritual
(Rm 7.14). Todo o Primeiro Testamento está perpassado de um profundo desejo de
Deus. Sob o desejo de adquirir a sabedoria (Pv 5.19; Sl 1.20), sob a saudade de
Jerusalém (Sl 137.5), sob o desejo de subir à cidade santa (Sl 128.5) e ao Templo
(Sl 122.1), sob o desejo de conhecer a Palavra de Deus por todas as suas formas
(Sl 119.20), sob tudo isso corre nas profundezas um desejo que polariza todas
as energias, que capacita a desmascarar as ilusões e as contrafacções (Am
5.18; Is 58.2), a sobrepujar todas as decepções. Um único desejo, o desejo de
Deus: Que tenho eu no céu a não ser a ti?
Fora de ti, não desejo outra coisa sobre a terra. Minha carne e meu coração se
consomem, rocha do meu coração, ó Deus, minha porção para sempre (Sl 73.25s).
Desejo de
comunhão
Se nos é
possível desejar Deus mais que tudo no mundo, isso ocorre em união com o desejo
de Jesus Cristo. Jesus está possuído de um desejo ardente, angustiado, que só
será saciado por seu batismo e sua Paixão (Lc 12.49s): o desejo de dar a glória
devida ao seu Pai (Jo 17.4) e de mostrar ao mundo até que ponto ele é capaz de
amá-lo (Jo 14.30s). Mas esse desejo do Filho tendendo para o seu Pai é inseparável
do desejo que o impele igualmente para os seus discípulos e que lhe fazia —
enquanto ia avançando para o momento da Paixão — desejar ardentemente comer a Páscoa
com eles (Lc 22.15).
Este desejo
divino de uma comunhão com os homens: eu
junto dele e ele junto de mim (Ap 3.20), suscita um profundo eco no Segundo
Testamento. As epístolas paulinas, especialmente, estão repletas do desejo que
o Apóstolo sente dos seus irmãos tão amados e tão desejados (Fp 4.1), que ele a
todos deseja (quem ama, tem saudades) nas entranhas de Cristo (Fp 1.8), da sua
alegria em sentir, através do testemunho de Tito, o ardente desejo que por ele
têm os da Igreja de Corinto (II Co 7.7), fruto certo da ação de Deus (II Co 7.11).
Só esse desejo é capaz de contrabalançar o desejo básico de Paulo, o de Cristo
e, mais precisamente, o da comunhão com ele, o desejo de ir-me e de estar com Cristo
(Fp 1.23), de morar junto do Senhor (II Co 5.8).
O grito do
homem de desejo, o grito do Espírito e da Esposa é: Vem! (Ap 22.17). Pois o desejo do homem novo, batizado na morte e
na ressurreição de Cristo, encontra sua eclosão na esperança de comunhão com
Deus que atravessa toda a Bíblia. Fizeste-nos,
Senhor, para Ti e o nosso coração estará inquieto enquanto não descansar em Ti,
diz Santo Agostinho nas Confissões.
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