Estudantes judeus, autor e data não identificados |
Eu gosto muito de um hino antigo que diz assim: Sou
forasteiro aqui,/ Em terra estranha estou,/ O Céu já antevi,/ Possuí‐lo,
enfim, eu vou;/ Embaixador, por Deus,/ Do Reino lá dos Céus,/ Venho em serviço
do meu Rei. Não somos desse planeta. Estamos aqui a serviço. Não somos
donos de nada, muito menos da construção pomposa que chamamos de igreja. Esses predicados nos fazem ver a necessidade urgente de ter que traduzir,
interpretar e explicar as Escrituras, primeiramente para nós mesmos, depois
para todos aqueles que habitam essa terra estranha.
Interessante também é saber que os antigos classificavam os leitores dos textos bíblicos em quatro categorias: À primeira deram o nome de pshat, que é aquela em que o leitor não vai além de formar imagens turvas do que está lendo. Lê apenas, sem compreender o simbolismo. A segunda, chamada de remez é aquela em que o próprio texto convence o leitor que existe algo bem mais profundo do que as imagens que ele formou. É apenas o começo da percepção do que o texto quer realmente dizer. No terceiro nível, no darash, o leitor desce à profundidade do texto o faz dizer o que ele tem de oculto. Não se trata de especulação ou “forçação de barra”, como dizem os meus conterrâneos, mas sim de ter a sensibilidade para entender a língua mãe, que neste caso não é o hebraico, o aramaico, o grego ou qualquer uma outra, mas a linguagem do amor, sobre a qual toda a Escritura está firmemente fundamentada. Parece que este último é o estágio final, mas não é. Ainda tem sod, onde a relação com Deus se faz para além do que está escrito e faz o leitor viver em conformidade com que as Sagradas Escrituras revelam. Este é o estágio em que o leitor não mais fala da Bíblia, mas em que a Bíblia é que fala por ele.
Entender a linguagem com que Deus se comunica é fundamental
para a pregação do Reino que é dele. Mesmo com todo avanço tecnológico nos
meios de comunicação, o que mais se viu neste período de propaganda eleitoral
nas redes sociais foram farpas trocadas entre candidatos e entre eleitores.
Sempre ouço um dos autores desse blog dizer que não existe qualquer possibilidade
de comunicação sem que o amor seja o seu parâmetro. E ele diz isso fundamentado
na mais bela carta que o apóstolo Paulo jamais escreveu: Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se eu não tiver
amor serei como o bronze que soa ou como o sino que retine.
O que há hoje em dia é apenas barulho. Barulho de cima dos
púlpitos conclamando o povo a crer em uma determinada igreja. Barulho também
por parte daqueles que insistem em pregar os poderes do inferno e de seus
anjos. Aliás, depois da Divina Comédia de Dante, o inferno nunca foi tão bem
detalhado como nos sermões atuais. Falam dele como quem chegou de lá há
menos de uma semana. Barulho nas composições que chamam de enganosamente de
Gospel, pois estas exaltam mais os atributos de seus “ministros” do que
propriamente o autor e consumador da nossa fé.
Falar a língua de Deus é falar de modo que todo a sua
criação entenda. É não se confundir com as vãs filosofias que nivelam esta
linguagem por baixo, quando afirmam que: a voz do povo é a voz de Deus. Basta
que nos lembremos do período crucial da nossa história, quando a multidão
vociferava pedindo a crucificação de Cristo, enquanto muito poucos guardavam a
verdade. É para não deixar esse tipo de dúvida que os textos proféticos começavam
sempre pelo imperativo “ouve ó Israel”.
Pregar a Palavra de Deus de modo que o povo entenda não tem
a ver com o barateamento da graça, que é o que mais predomina nas igrejas
televisivas, que pregam reconciliação sem mudança de mente, salvação sem perdão
de pecados, Jesus sem cruz. É nesta hora que o Midraxe faria diferença entre
nós, porque o seu método nos ensinaria a anunciar o evangelho na medida da
necessidade do povo, e não a partir das nossas doutrinas ou convicções
pessoais. Uma rápida olhada no passado vai nos fazer perceber que Jesus não
interveio nos assuntos que mais fazemos oposição. Os assuntos ligados
diretamente às questões sexuais. Havia prostitutas no tempo de Jesus? Claro que
havia. Havia homossexuais no tempo de Jesus? Talvez em proporções maiores das
que temos hoje. E qual desses grupos encontrou oposição na sua mensagem?
Eu gostava muito também de ouvir o rev. Garrison dizer que
pecadores é negócio da igreja. Cada casa comercial que é aberta visa explorar
um tipo de negócio. A igreja não foge à regra, foge sim à sua verdadeira
vocação, que é lidar com o seu negócio principal: pecadores.
Se há contribuições válidas do Judaísmo para nós, não é a
construção de tabernáculos, templos de Salomão, shofares, menorás ou
filactélios. É copiar exatamente o que deu certo, que foi o que Jesus, os
apóstolos e os pais da igreja fizeram muito bem. Esse é o principal motivo de
encontrarmos algumas divergências nos evangelhos, pois seus autores não estavam
escrevendo uma biografia não autorizada de Jesus, e sim confrontando as
realidades das suas comunidades de fé com aquilo que aprenderam de Jesus. E a
História da Igreja Primitiva e o seu assombroso crescimento estão aí para nos
provar o quanto isso é verdade.
Targum e Midraxe deveriam sem palavras mais conhecidas entre
nós do que unção, ministração e levirato. Estes são os verdadeiros ecos do
primeiro dia da criação, quando do caos fez-se luz. Esse é o eco também do
primeiro dia da nova criação, quando o povo que estava em trevas viu grande
luz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário