Targum e Midraxe

Estudantes judeus, autor e data não identificados

No passado distante existiam dois métodos de interpretação bíblica, que foram ambos interessantes, válidos e extremamente necessários. São eles o Targum e o Midraxe ou Midrach. Targum, o mais antigo, eram traduções, interpretações e explicações dos termos hebraicos para os judeus que voltaram da Babilônia, e que agora falavam apenas o aramaico, pois o exílio os fez perder o contato com a língua mãe. O Midraxe foi o método de interpretação do Primeiro Testamento criado pelos rabinos fariseus, que após a destruição do Templo no ano 70 da nossa era, tentaram adaptar o Judaísmo às precárias condições de vida do seu povo.


Não sei se estou sendo visionário, mas percebo claramente que os recursos que esses dois métodos de interpretação bíblica têm a nos oferecer são tudo aquilo que mais precisamos na igreja, nos dias atuais. Logicamente que para que o método tenha algum efeito, nós precisamos antes nos conscientizar de duas realidades que andam meio que sonegadas e esquecidas por nós, os cristãos.


A primeira realidade, essa bem mais afeita ao Targum, diz respeito à nossa cidadania neste mundo. Vivemos na Terra como se esta fosse a nossa casa, e sobre a qual temos absoluto domínio. Sem querer bater nas teclas do tão conclamado binômio preservação ambiental X aquecimento global, que até agora temos ouvido apenas as opiniões dos curiosos, que sem embasamento científico algum olham para o céu, para o solo e para o mar das suas micro-aldeias e determinam o fim dos tempos para a semana que vem, como se a humanidade fosse capaz de propiciar cataclismos dessa natureza. Mas este é outro assunto. A realidade cristã diz que nós somos forasteiros nesse mundo, e que devido à distância que fazemos questão de manter de Deus, perdemos não somente a linguagem, mas tudo aquilo que é próprio ao Reino dos Céus, que é onde Jesus ordenou que tentássemos viver a qualquer custo.

Eu gosto muito de um hino antigo que diz assim: Sou forasteiro aqui,/ Em terra estranha estou,/ O Céu já antevi,/ Possuí‐lo, enfim, eu vou;/ Embaixador, por Deus,/ Do Reino lá dos Céus,/ Venho em serviço do meu Rei. Não somos desse planeta. Estamos aqui a serviço. Não somos donos de nada, muito menos da construção pomposa que chamamos de igreja. Esses predicados nos fazem ver a necessidade urgente de ter que traduzir, interpretar e explicar as Escrituras, primeiramente para nós mesmos, depois para todos aqueles que habitam essa terra estranha.

 

Interessante também é saber que os antigos classificavam os leitores dos textos bíblicos em quatro categorias: À primeira deram o nome de pshat, que é aquela em que o leitor não vai além de formar imagens turvas do que está lendo. Lê apenas, sem compreender o simbolismo. A segunda, chamada de remez é aquela em que o próprio texto convence o leitor que existe algo bem mais profundo do que as imagens que ele formou. É apenas o começo da percepção do que o texto quer realmente dizer. No terceiro nível, no darash, o leitor desce à profundidade do texto o faz dizer o que ele tem de oculto. Não se trata de especulação ou “forçação de barra”, como dizem os meus conterrâneos, mas sim de ter a sensibilidade para entender a língua mãe, que neste caso não é o hebraico, o aramaico, o grego ou qualquer uma outra, mas a linguagem do amor, sobre a qual toda a Escritura está firmemente fundamentada. Parece que este último é o estágio final, mas não é. Ainda tem sod, onde a relação com Deus se faz para além do que está escrito e faz o leitor viver em conformidade com que as Sagradas Escrituras revelam. Este é o estágio em que o leitor não mais fala da Bíblia, mas em que a Bíblia é que fala por ele.

 

 

Entender a linguagem com que Deus se comunica é fundamental para a pregação do Reino que é dele. Mesmo com todo avanço tecnológico nos meios de comunicação, o que mais se viu neste período de propaganda eleitoral nas redes sociais foram farpas trocadas entre candidatos e entre eleitores. Sempre ouço um dos autores desse blog dizer que não existe qualquer possibilidade de comunicação sem que o amor seja o seu parâmetro. E ele diz isso fundamentado na mais bela carta que o apóstolo Paulo jamais escreveu: Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se eu não tiver amor serei como o bronze que soa ou como o sino que retine.

 

O que há hoje em dia é apenas barulho. Barulho de cima dos púlpitos conclamando o povo a crer em uma determinada igreja. Barulho também por parte daqueles que insistem em pregar os poderes do inferno e de seus anjos. Aliás, depois da Divina Comédia de Dante, o inferno nunca foi tão bem detalhado como nos sermões atuais. Falam dele como quem chegou de lá há menos de uma semana. Barulho nas composições que chamam de enganosamente de Gospel, pois estas exaltam mais os atributos de seus “ministros” do que propriamente o autor e consumador da nossa fé.

 

Falar a língua de Deus é falar de modo que todo a sua criação entenda. É não se confundir com as vãs filosofias que nivelam esta linguagem por baixo, quando afirmam que: a voz do povo é a voz de Deus. Basta que nos lembremos do período crucial da nossa história, quando a multidão vociferava pedindo a crucificação de Cristo, enquanto muito poucos guardavam a verdade. É para não deixar esse tipo de dúvida que os textos proféticos começavam sempre pelo imperativo “ouve ó Israel”.

 

Pregar a Palavra de Deus de modo que o povo entenda não tem a ver com o barateamento da graça, que é o que mais predomina nas igrejas televisivas, que pregam reconciliação sem mudança de mente, salvação sem perdão de pecados, Jesus sem cruz. É nesta hora que o Midraxe faria diferença entre nós, porque o seu método nos ensinaria a anunciar o evangelho na medida da necessidade do povo, e não a partir das nossas doutrinas ou convicções pessoais. Uma rápida olhada no passado vai nos fazer perceber que Jesus não interveio nos assuntos que mais fazemos oposição. Os assuntos ligados diretamente às questões sexuais. Havia prostitutas no tempo de Jesus? Claro que havia. Havia homossexuais no tempo de Jesus? Talvez em proporções maiores das que temos hoje. E qual desses grupos encontrou oposição na sua mensagem?

 

Eu gostava muito também de ouvir o rev. Garrison dizer que pecadores é negócio da igreja. Cada casa comercial que é aberta visa explorar um tipo de negócio. A igreja não foge à regra, foge sim à sua verdadeira vocação, que é lidar com o seu negócio principal: pecadores.

 

Se há contribuições válidas do Judaísmo para nós, não é a construção de tabernáculos, templos de Salomão, shofares, menorás ou filactélios. É copiar exatamente o que deu certo, que foi o que Jesus, os apóstolos e os pais da igreja fizeram muito bem. Esse é o principal motivo de encontrarmos algumas divergências nos evangelhos, pois seus autores não estavam escrevendo uma biografia não autorizada de Jesus, e sim confrontando as realidades das suas comunidades de fé com aquilo que aprenderam de Jesus. E a História da Igreja Primitiva e o seu assombroso crescimento estão aí para nos provar o quanto isso é verdade.

 

Targum e Midraxe deveriam sem palavras mais conhecidas entre nós do que unção, ministração e levirato. Estes são os verdadeiros ecos do primeiro dia da criação, quando do caos fez-se luz. Esse é o eco também do primeiro dia da nova criação, quando o povo que estava em trevas viu grande luz.





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