O problema está do lado de dentro

Assembleia Nacional, Jacques-Louis David

Um dos textos da Bíblia mais usados pelo radicalismo evangélico contra os movimentos gays é extraído da primeira Carta de Paulo aos Coríntios. Mais precisamente os versículos 9 e 10 do capítulo 6, que dizem o seguinte: Vocês sabem que os maus não terão parte no Reino de Deus. Não se enganem, pois os imorais, os que adoram ídolos, os adúlteros, os homossexuais, os ladrões, os avarentos, os bêbados, os caluniadores e os assaltantes não terão parte no Reino de Deus. Um trecho retirado en passant de questão muito maior e muito mais comum do que o questionamento sobre a opção sexual de cada um.

De antemão quero dizer que continuo alheio a essa briga: porquanto não me vejo diretamente envolvido numa questão em que a Bíblia é tão sucinta, o próprio só traz uma palavra sobre o assunto; porquanto vejo a tal briga longe das prioridades da pregação cristã para os dias de hoje; porquanto essa disputa se restringe apenas aos radicais de ambas as partes, pois ainda não vi um pastor sério pregar sobre esse assunto. Contudo, me apropriando da relevância dada ao texto, eu queria aproveitá-lo para trazer à tona o seu verdadeiro propósito, posto que ele trata muito mais diretamente de uma questão interna da igreja do que se prestar como autorização para a compulsiva vigilância moral que alguns cristãos se dispuseram a exercer.

Tão logo iniciamos a leitura do capítulo 6 da citada carta, nos deparamos com uma questão que é mais do que comum hoje em dia. Não existe uma frase mais ouvida por aí do que esta: vou abrir um processo na justiça. Processos contra prestadores de serviços, profissionais liberais, bens de consumo e contra toda a sorte de situações que estamos envolvidos são abertos e julgados diariamente. Já existe até uma quantidade enorme de processos contra a própria justiça, posto que não está atendendo às necessidades de urgência e eficiência dos processos julgados.

Os reis deste mundo têm poder sobre o povo, e os governadores são chamados de “Amigos do Povo”. Mas entre vocês não pode ser assim, disse Jesus. Este é primeiro ponto discutido na carta. Não pode haver essa quantidade de processos e de pendengas judiciais, tão comum ao mundo profano, entre os membros da igreja.

O segundo e mais grave problema está no fato das questões internas da igreja ir parar nos tribunais seculares. Paulo pergunta: como vocês podem permitir que um pagão julgue a causa dos santos? Que vergonha! Será que entre vocês não existe alguém com bastante sabedoria para resolver uma questão entre irmãos? Paulo diz mais: Será que vocês não sabem que o povo de Deus julgará o mundo? Então, se vocês vão julgar o mundo, será que não são capazes de julgar essas coisas pequenas?

Mas o terceiro problema identificado por Paulo é o pior de todos: Só o fato de existirem questões entre vocês já mostra que vocês estão falhando completamente. Não seria melhor aguentar a injustiça? Não seria melhor ficar com o prejuízo? Aqui entra o melhor ensinamento de Jesus. Isso é o que significa dar a outra face, caminhar a segunda milha e ofertar gratuitamente a túnica quando a capa nos é roubada. Isso é o que faz juntar brasas vivas sobre a cabeça dos que não creem. Essa é essência primeira do evangelho. O mais básico elemento do Reino de Deus.

Deixar de lado esta importante exortação de Paulo, que está fundamentada em todo o ministério de Jesus desde o seu sermão inaugural no monte para ficar discutindo quem vai para céu ou para o inferno é dar de bandeja aos ateus o argumento de que a Bíblia só serve para calçar o pé da mesa.

Será que não entendemos que não é a voracidade com que defendemos a nossa fé e sim a ingenuidade com que nos deixamos lesar que fará com que sejamos bem aventurados? Nesse sentido a sabedoria popular é muito mais crente é fiel ao evangelho do que a enorme quantidade de doutrinas e de textos com que nos calçamos para condenar as outras pessoas. Ela diz simplesmente isso: É muito melhor ser feliz do que ter razão


Nenhum comentário:

ads 728x90 B
Tecnologia do Blogger.