É aqui que o macaco torce o rabo

Palestina sob massacre
Esta semana ouvi em um programa de rádio que a filha de seis anos do jornalista Ricardo Boechat lhe perguntou o seguinte: Por que é feio chamar uma pessoa de macaco? Logicamente que a capacidade de abstração de uma criança dessa idade não lhe permite distinguir os diversos universos em que essa palavra pode ser e é empregada pelos adultos, que vão desde a nefasta discriminação racial, como ocorreu com o jogador Aranha, até elogios carinhosos, quando dizemos ser uma criança travessa parecida com um macaquinho. Passando, é claro, pela espécie animal.

Não posso afirmar que isso acontece ou não em outras línguas, mesmo porque temos como exemplo a palavra galinha, que é um animal usado por Jesus nos evangelhos para exprimir a extensão do amor de Deus: Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!, venha a ser na nossa, como em outras línguas, um xingamento de baixíssimo calão a qualquer mulher.

Mesmo de posse de todas as variáveis possíveis temos que admitir que o nosso consenso oscila entre, com todas as letras julgar que não somente é feio, é simplesmente inaceitável alguém ser chamado de macaco pela cor sua pele, mas, no entanto, não é tão feio se o for em razão das suas macaquices.

Mas o que a Bíblia tem a nos dizer sobre isso? Ela também se permite encerrar essa diversidade de opiniões? Claro que não! Na Bíblia é sim, sim; não, não. Porque o que disso passar, disse Jesus, vem do maligno. A Bíblia não erra porque ela nunca se dá ao luxo de fazer julgamentos sobre o ato em si, pois ela não considera ser pecado o ato isolado, e sim o estado em que a pessoa se encontra quando o ato é cometido.

Um dado mais interessante ainda é o fato de Jesus fazer com que um simples delito, como o de uma ofensa como esta, nos remeta a estar sob julgamento por crimes gravíssimos, como é o caso de um assassinato, além de nos tornar transgressores de um dos mais inquestionáveis Mandamentos da Torah bíblica: não matarás.

Muito embora alguns teólogos interpretem este Mandamento como não assassinarás para justificar as mortes ocorridas nas guerras, nos abortos, em defesa da honra ou da própria vida, como também em outras situações onde a morte é colocada com justificável, a Bíblia fala textualmente “não matarás”, e aplica isso a qualquer situação. No entanto, se o Mandamento já é por si só intransigente, Jesus, fundamentado nele, é muito mais intransigente ainda. Ele diz simplesmente: Mt 5.22 - Mas eu lhes digo que qualquer um que ficar com raiva do seu irmão será julgado. Quem disser ao seu irmão: “Você não vale nada” será julgado pelo tribunal. E quem chamar o seu irmão de idiota estará em perigo de ir para o fogo do inferno.

O que está em julgamento, segundo a Bíblia, é a civilização inteira. Se por um lado o nosso parecer ainda vacila pelo fato da pessoa, que foi flagrada em delito, ser jovem, ser loira e ser bonita, caso fosse ela negra e tivesse dirigido a sua ofensa contra um gay loiro, alto de olhos azuis, já estaria sendo estuprada há muito tempo em uma das nossas apinhadas prisões de delegacia; por outro lado estamos julgando apenas um dos frutos podres  de uma enorme árvore que está firmemente fincada no solo da história da humanidade, e que se manifestou em uma pouco importante partida de futebol.

Jesus vai fundo naquilo que as relações humanas consideram ser o mais trivial, pois ele atribui ao ódio, à desconsideração e ao julgamento precoce, o mesmo peso que qualquer outra forma de matar, senão a pessoa, mas os seus ideais, seus sonhos e a sua própria condição de ser humano. Não é de algo muito pior do que macaco que xingamos o Estado Islâmico, o hezbollah e os rebeldes ucranianos? Não que eu dê qualquer razão a eles, mas é fato que eles matam muito menos que as inocentes commodites que especulam livremente em todas as Bolsas de Valores com os preços dos alimentos, enquanto que a África geme e morre de fome. Não é como sub-humanos que rotulamos as crianças que morrem aos montes de desnutrição e de doenças facilmente curáveis em todos os países subdesenvolvidos?

Mas se vocês soubessem o que quer dizer misericórdia quero, e não sacrifício, não condenariam os inocentes. O caso do Aranha é grave? É, mas está longe de ser o estado de iniquidade mais urgente que precisamos debelar. Enquanto substituirmos o essencial pelo transitório, não chegaremos nunca ao ponto de sequer arranhar esta estrutura maligna, cujo alcance é muito mais abrangente que um estádio, e que também é a razão última das palavras daquela moça dirigidas ao goleiro do Santos.

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