Entre a Ascensão e o Pentecostes IV

Chamado de Mateus, Hendrick Terbrugghen em 1616
Mateus: quem nunca foi não precisa voltar
Ide, portanto, fazei discípulos de todas nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estarei convosco todos os dias até a consumação do século. Mateus 28.20

Se quisermos considerar que Mateus foi o único entre todos os evangelistas que de fato vivenciou todo o drama da Ascensão e do Pentecostes, temos que considerar também que ele se prestou como o grande intermediador entre os evangelhos de Marcos e de Lucas. Na narrativa dos acontecimentos que encerram o seu evangelho, ele não apenas preservou alguns elementos próprios do evangelho de Marcos, tais como a fuga apressada e o clima de medo que tomou conta das mulheres que foram ao sepulcro, como também acrescentou o aspecto da alegria pela ressurreição. Este que vem a ser o item marcante do evangelho de Lucas e do consequente paradoxo que foi citado neste blog, na meditação É preciso ir para vir, anterior ao tópico atual, mas que também faz parte do mesmo conjunto de temas: Ascensão e Pentecostes.

Esta nova combinação de sentimentos nos leva a crer que um estado de espírito, até então não experimentado pelos discípulos, começava a tomar conta deles. Não é ainda o fato gerador da intrepidez e da coragem que marcou a transformação daquelas pessoas e o início da igreja, mas já é um forte indicio que a esperança na ressurreição começava a ser vivida. Os discípulos, neste caso as discípulas, já começavam a acreditar que, acontecesse o que tivesse que acontecer com elas, nada mais seria como antes, pois o autor e consumador da sua fé estava vivo, e, agora, mais presente do que jamais estivera.

Vivo e presente. Esta é a tônica do evangelho de Mateus, em contrapartida àquilo que os outros evangelistas acreditaram ser a despedida final de Jesus. Ele declara esse aspecto inusitado da sua fé baseado em uma frase que Jesus deve ter dito várias e várias vezes, o nosso texto base de hoje, mas que ele deixa para apresentá-la justamente no final, como se essa frase encerrasse as verdadeiras palavras de despedida que todos gostariam e esperavam ouvir. Para Mateus, essa frase não é apenas a síntese da síntese da vida e do ministério de Jesus, ela é a garantia de que suas promessas já começaram a se concretizar. Por essa razão é que, para ele, tudo mais só deve e só pode ser considerado a partir dela, como se as últimas palavras de Jesus estabelecessem um novo recomeço.

Mateus não cita a Ascensão e não faz qualquer menção ao Pentecostes, porque, na sua visão dos fatos, Jesus nunca os deixou e que, na realidade, permaneceu com eles sempre, assim como permanece conosco. Não sei no português, mas na Bíblia a palavra sempre não é o antônimo para nunca. Os outros três evangelhos podem muito bem explicar essa anomalia linguística, principalmente tendo em vista a semana em questão, em que tantas situações intermediárias foram vividas e tantos sentimentos contraditórios foram experimentados.

Mateus resolveu o paradoxo da despedida alegre de Jesus exposto em Lucas. Resolveu também o clima tenso e apreensivo do pessimismo de Marcos. Ele se empenhou em nos fazer acreditar que Jesus se ausentou corporalmente para estar presente conosco espiritualmente. Fez-se oculto aos olhos naturais, para se revelar por inteiro aos olhos da fé. Escondeu-se da efêmera realidade secular, para nos apresentar uma realidade muito maior e eterna. Esse sim seria o único ingrediente que poderia fazer combinar bem os evangelhos de Marcos e Lucas, pois somente algo tão inusitado e extraordinário assim pode nos situar desafiante e confiantemente entre os extremos opostos do medo e da alegria. (continua)

Um comentário:

NEHEMIAS RUBIM disse...

Caro amigo Sergio
Já conversamos várias vezes sobre o fato de que CRISTO É MAIOR DO QUE JESUS. Você hoje aborda este tema sem se dar conta."Jesus se ausentou corporalmente para estar presente conosco espiritualmente ". Basta dizer que ao nascer Jesus, o Verbo se fez carne. Quando ascendeu, a carne voltou a ser Verbo. O Edson concorda com esta maneira de se ver a questão.
Você vai além: " Escondeu-se da efêmera realidade secular, para nos apresentar uma realidade muito maior e eterna."
Daí eu não entender sua discordância.
Abração.

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