Entre a Ascensão e o Pentecostes III

Mulheres na tumba, autor não identificado
Marcos, medo e descrédito.
Finalmente, apareceu Jesus aos onze, quando estavam à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, porque não deram crédito aos que o tinham visto já ressuscitado. Marcos 16.14

Nenhum outro evangelho mostra mais a cara da Igreja Primitiva como faz Marcos no seu. Sua igreja não é a igreja que contende contra os judaizantes, que luta contra o partido dos fariseus e confronta o que restou da classe sacerdotal. Ela é igreja que luta pela própria sobrevivência. Ela é a igreja das catacumbas, dos exilados e dos perseguidos. A igreja dos que sobreviveram ao cerco e à chacina que Roma impôs a Jerusalém. No melhor estilo paulino, a igreja dos peripsemas, o lixo do mundo e a escória do Universo.

Não são poucos os estudiosos que afirmam que esse evangelho tem dois finais distintos. O primeiro, o do medo, que eles afirmam ser o verdadeiro final, se encerra com as mulheres, discípulas que foram muito próximas de Jesus, se distanciando apressadamente do sepulcro de onde Jesus havia ressuscitado: Mc 16.8 - E, saindo elas, fugiram do sepulcro, porque estavam possuídas de temor e de assombro; e, de medo, nada disseram a ninguém. Temor, assombro e medo eram também os nomes e sobrenomes da igreja para qual Marcos destina esse relato e que mais tarde foi lhe dado o crédito de ser o primeiro escrito, e que serviu de base para os demais.

Neste final não há tempo para nada, nem para a Ascensão e nem para o Pentecostes, pois esse grupo que vivia clandestinamente, mal podia celebrar a ressurreição, o fato gerador de tudo que se seguiu. Dá para se perceber claramente no texto que nem mesmo a alegria pela ressurreição podia ser completa. Então, como eles podiam estar atentos aos demais acontecimentos?

Resta-nos esperar que um segundo final viesse para corrigir essa falha, mas não é exatamente assim que acontece. Ainda não era a hora de celebrar a Ascensão e o Pentecostes, porque nem a ressurreição havia sido completamente assimilada ou integralmente aceita. Descrédito no testemunho das mulheres, aquelas mesmas que Lucas identifica como doidas: Lc 24.10-11 - Eram Maria Madalena, Joana e Maria, mãe de Tiago; também as demais que estavam com elas confirmaram estas coisas aos apóstolos. Tais palavras lhes pareciam um como delírio, e não acreditaram nelas. Descrédito também nas dúvidas dos caminhantes de Emaús. Descrédito entre eles próprios, porque alguém que está sob o signo do medo e com a espada pendendo sobre sua cabeça, não tem disponibilidade para acreditar em qualquer um ou em qualquer coisa.

Não se trata aqui de isentar de culpa os onze a quem Jesus, a tempo, severamente repreendeu. Esse é o nosso texto base. Os onze, se tivessem ficado atentos aos sinais que Jesus mostrou e às mensagens que Jesus lhes deu direta e objetivamente, não teriam nada a temer e a ressurreição seria para eles o cumprimento confirmado da promessa.

Mas o que dizer daqueles que não viram esses sinais e que não ouviram a mensagem diretamente de Jesus, mas que ouviram-na de alguém que disse que ele tinha dito? Seria possível que eles também tivessem que arcar com a mesma responsabilidade e ter atitude semelhante a que Jesus esperava encontrar nos onze? Não! Para eles a mensagem é de esperança nos sinais visíveis de uma graça invisível: no batismo e na fé. E os sinais que lhes foram dados são póstumos, difíceis de acreditar e de pouco resultado para as situações que de fato viviam.

Marcos finalmente dá a entender que Jesus subiu aos céus, e que, à direita de Deus, permanece feliz com o testemunho que essa comunidade está dando ao mundo. E que também dos céus, está confirmando as suas obras, porque através delas é que sinais portentosos anunciam que Espírito Santo de Deus é chegado.(continua)

Nenhum comentário:

ads 728x90 B
Tecnologia do Blogger.