Quem aponta ou o que aponta? II

A viúva e o tesouro, Ulrich Leive (1957-)

Além da atração mórbida pela suntuosidade dos grandes empreendimentos humanos, sempre existiu um erro de julgamento que marcou presença na igreja ao longo da sua existência, mas este é um erro de julgamento individual das pessoas e não propriamente das instituições: a idolatria das lideranças. Não estou falando aqui da ânsia do poder, que pode muito bem vir a ser um grave erro de julgamento, mas sim pela veneração daqueles cuja missão é unicamente apontar, no caso específico das religiões, para os princípios básicos que orientam o seu credo.

Tanto ao antigo filósofo grego, Sócrates, quanto à sabedoria chinesa atribui-se um ditado que serve apropriadamente para respaldar que estamos dizendo: Enquanto o sábio aponta para a lua, o idiota olha para o dedo. Esse é erro de julgamento que Jesus tentou de todas as maneiras coibir durante o seu ministério terreno. Todos os sinais que mostrou, como a multiplicação dos pães e a transfiguração, quanto os prodigiosos milagres de curas que realizou, ele fez questão de deixar claro que o fazia por determinação e autoridade de Deus, seu Pai, e que nada fazia por autoridade e competência próprias. A necessidade de incubação do desejo natural da promoção pessoal ficava, dessa forma, restrita a um conceito simples: se ele que é o Mestre e Senhor assim procede, por que aqueles que seguem o seu ensinamento também não o fariam?

Jesus não somente abriu mão do direito autoral, mesmo sendo Deus, mas apontou para uma dimensão muito maior do que os prodígios em si. Em razão disso, certa vez, indignado, voltou-se contra uma multidão que o seguia unicamente em razão dos milagres que fazia: Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: vós me procurais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos fartastes. João 6.26 Ele enfatizou essa sua advertência para que os seus seguidores não fossem facilmente engodados por aquelas pessoas, que se valendo de fenômenos não naturais ou dons especiais, se apresentassem como portadores de  carismas privilegiados.

Essa preocupação de Jesus foi bem interpretada em um hino cantado pela igreja primitiva, e que Paulo inseriu na Carta aos Filipenses, que basicamente diz que ele sendo Deus, se apresentou como o mais humilde dos servos: aquele que aceita passivamente a maior desonra e o maior castigo. Parece que tanto o hino quanto as palavras de Jesus não repercutiram eficazmente, pois pouco tempo depois já havia igrejas dentro da igreja que se identificavam pelos nomes dos seus pastores,: Eu sou de Paulo, eu sou de Pedro e eu sou de Apolo. Uma nítida visão que supervalorizava o portador da mensagem em detrimento do seu teor. Nem preciso dizer o quanto isso ainda existe em nosso meio e o quão grande é esse erro de julgamento da igreja, pois o mundo, em sua totalidade,  prima por agir dessa forma. Daí o ditado acima ser escrito originalmente em outras tradições extrapolando, inclusive, o contexto bíblico.

O magnífico Templo de Jerusalém, considerado por muitos como a maior obra da engenharia humana, foi totalmente destruído e, como disse Jesus, não ficou pedra sobre pedra. Os grandes expoentes das religiões, mesmo aqueles que lhes serviram como referencia incontestável sucumbiram ante a realidade da morte. Tanto a riqueza dos ofertantes, quanto a penúria da viúva, não subsistem na sua forma original, pois trocaram de nome e de endereço. A única coisa que permaneceu viva prevaleceu sobre a inexorabilidade do tempo no texto que serve de base para esta meditação, o de Lucas 21, foi a voluntariedade de uma mulher que, propositalmente, sequer o nome sabemos, para que dela conheçamos apenas sua convicção de que ainda vale mais investir todos os recursos nos fundamentos sérios e sinceros do principio pelo qual nos pautamos, do que confiar em uma realidade, que por mais palpável que seja possui pouquíssimo significado.


Jesus chamou a atenção deles, dizendo: — Fiquem alertas e tomem cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes! Aí os discípulos começaram a dizer uns aos outros: — Ele está dizendo isso porque não temos pão.  Jesus ouviu o que eles estavam dizendo e perguntou: — Por que vocês estão discutindo por não terem pão? Vocês não sabem e não entendem o que eu disse? Por que são tão duros para entender as coisas? Vocês têm olhos e não enxergam? Têm ouvidos e não escutam?

Muito embora, na então atual questão, o tema não fosse propriamente apontado, como em Quem aponta, ou que aponta?, mas agora extraído de uma exortação bastante pertinente: Fiquem alertas e tomem cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes! O mais interessante disso tudo é que Jesus o fez a partir da observação de um simples pão. É conveniente notar que Jesus não descarta a necessidade da massa levar fermento, mas alerta para o tipo e qualidade desse fermento. O que nos remete a atitude de um grupo de membros da Igreja de Corinto, já bastante comentada aqui: Os espirituais de Corinto, ou seja, o grupo que imagina não ser influenciado por um líder espiritual, um pastor ou um padre, mas que recebe iluminação diretamente de Deus. Mas este não é o caso em questão nesta meditação.


Jesus fala de dois tipos de fermentos que são perigosamente influentes: o dos fariseus e o de Herodes. Então, quais seriam esses fermentos?

O fermento dos fariseus, como podemos ver no capítulo 15 de Mateus, capítulo anterior ao que aborda este tema, Jesus fala de como estes adulteravam o mandamento de Deus para servir aos seus próprios benefícios: Mas vocês ensinam que, se alguém tem alguma coisa que poderia usar para ajudar os seus pais, em sinal de respeito, mas diz: “Eu dediquei isto a Deus”, então não precisa ajudar os seus pais. Assim vocês desprezam a mensagem de Deus para seguir os seus próprios ensinamentos. Pessoas que através de artifícios pretensamente religiosos se eximem da obrigatoriedade de cumprir regras básicas da fé cristã. Imagino que ele foi bastante claro e que não cabe e nem necessite de outros argumentos.

O fermento de Herodes também está vinculado a mandamentos, não divinos, mas humanos. Sabemos bem o quanto Herodes era cumpridor do direito romano e de como era reconhecido pelo opressor por este dado. Seu problema é ele que colocava a lei romana acima da lei moral de Deus, e o fez em várias ocasiões, inclusive adulterando e assassinando.Trata de pessoas que fazem uma bifurcação entre o direito e a lei moral. Pessoas que se consideram boas e decentes, simplesmente porque não quebraram qualquer lei humana, mas cuja a moralidade é totalmente anticristã.


Jesus nos diz para termos cuidado com ambas. Mas nos ensinou o quanto os mandamentos e as leis civis estimulam a correta vida cristã. Disse em certa ocasião quando falava aos mesmos fariseus de seu tempo, pois se orgulhavam do cumprimento de leis: Deveis fazer todas essas coisas, sem omitir as que são realmente necessárias (Mt 23.23).

Nenhum comentário:

ads 728x90 B
Tecnologia do Blogger.