Nenhuma outra criatura II

Mosaico no Museum em Istambul, V século
Tendo em vista a atual enxurrada de definições e atribuições que especificamente dizem ser competência da terceira pessoa da Trindade Divina, devemos nos perguntar: qual tem sido a sua atuação, exortação, inspiração e consolação e em nossa igreja hoje? Sabemos que no passado ele transformou pescadores covardes em destemidos pregadores; consolidou a esperança de uma vida eterna naqueles que morriam nas arenas romanas devorados pelas fera, arrebatou homens e mulheres para o verdadeiro testemunho da fé cristã, isto é, mensagem e prática com risco da própria vida; manteve a unidade da igreja contra a estruturada religião judaica para que dela não se tornasse apenas uma seita.

Sabemos bem que, um pouco mais tarde, foi a terceira pessoa quem também inspirou os primeiros pensadores apologetas contra o fascínio do pensamento grego para que a fé se desviasse do caminho de se tornar mera filosofia de vida; arrebanhou toda a Igreja sob o cajado de um só Pastor, e nos assegurou que somos todos ovelhas deste rebanho, embora não necessariamente do mesmo curral ou aprisco, se preferirem.

Mais ainda assim, em nenhuma outra fase da História da Igreja o Espírito Santo esteve em tamanha evidência sobre as outras pessoas da Trindade, sabidamente Jesus Cristo ou mesmo o próprio Deus, como pode ser testemunhado no tempo presente. Se, porventura, somos dotados de tal convicção, então, qual seriam os motivos que, durante o seu reinado entre nós,o Espírito do Deus Altíssimo permitiria tantos rachas em nossas comunidades? Por que o Consolador contemplaria tão mansamente a discriminação de membros da mesma fé religiosa? Por que o Paráclito Divino observaria com placidez o êxodo de cristãos para outros credos religiosos? Observem que não falo de membros novos, sem uma fé consolidada pelo tempo, mas de muitos com até sessenta anos de serviço a esta instituição.

Chego, finalmente, a duas conclusivas hipóteses: o Espírito Santo mudou radicalmente a sua maneira de agir desvinculando-se da unidade de propósitos instalada por Deus na criação e pontificada pela redenção de Cristo, ou este que está sendo anunciado não é o Espírito Santo de Deus e sim uma dessas OUTRAS CRIATURAS, que concorrem para que o amor de Deus não seja vivido em nossas igrejas, um perigo do qual o apóstolo tanto nos adverte.

Parece-me que, pelo menos em meio ao nosso Brasil evangélico, esse espírito tem semeado mais ódio que amor, mais soberba que humildade, mais contemplação que ação, mais separação que comunhão. Digo isso com profunda tristeza, mas também com um fio de esperança que alguém ainda me apresente alguma terceira alternativa minimamente viável. Por isso termino esta página com uma história que era muito contada pelo meu velho pai, que me parece complementar bem o sentimento transtornado que trouxe essa meditação.

Na já também devastada selva africana dois leões conversavam. Disse o mais velho:
-Tempos bons eram aqueles de antigamente, havia comida em abundância, diziam os meus avós. Os romanos atiravam os cristãos na arena para que nós os devorássemos, não faltava carne como falta hoje.
Perguntou o mais novo:
-E o que houve com os Cristãos, eles acabaram?
O velho, com olhar distante, respondeu:
-Não, eles ainda estão por aí em todos os lugares. Só que hoje, eles se devoram uns aos outros.

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