Deus é um operário do lar e da cidade

Verão ou Ruth e Boaz, Nicolas Poussin em 1662

Texto do rev. Jonas Rezende pelo Dia do Trabalhador.
Um cidadão em Israel, há alguns anos, foi ferido em uma área do seu cérebro, e deixou de sonhar. Dorme, mas não sonha. Os médicos que o assistem garantem que o homem continua, em tudo, com reações normais. Apenas não sonha.

Guardo cá as minhas dúvidas. Como continuar normal, sem a válvula de escape dos nossos sonhos? Freud chega a afirmar que os sonhos liberam desejos, retalhos do nosso inconsciente; cumprem, enfim, um importante papel em nossa vida e em nosso equilíbrio mental.

Mas, ainda que fosse mesmo possível não sonhar e manter o que vagamente chamamos de normalidade, acredito que só atingimos nossa verdadeira dimensão humana se, pelo menos, sonharmos acordados.

Este salmo de Salomão começa com um expediente comum na poesia hebraica: duas ideias que se reforçam, enquanto se ampliam. No caso, edificar a casa e guardar a cidade. Vejo o salmo como a expressão de um desejo ardente, um sonho acalentado pelo poeta. A esperança que, para Santo Tomás de Aquino, é o sonho do homem acordado, aqui norteia o poema do salmista.

Note que, se Deus não edificar a casa e guardar a cidade, é inútil levantar de madrugada e renunciar o descanso que ele dá aos seus amados. Mas veja também que o fato de Deus edificar a casa e ser atalaia da cidade, isto é, trabalhar pela comunidade, da célula primeira até a sociedade como um todo, não significa que o homem vai cruzar os braços e deixar de fazer a sua parte. Somos cooperadores de Deus, como lembra o apóstolo Paulo. Somos seus parceiros para evitar que a família deixe de ser uma celula mater e se transforme em célula morta, assim como somos corresponsáveis com Deus por uma sociedade mais justa e saudável, para nós e para os que estão chegando com a missão de nos continuar. Só uma família bem constituída está preparada para receber os filhos que são a herança do Senhor, no entendimento do salmista. Assim também, apenas uma sociedade mais justa deixará de corromper os homens, como denunciou Rousseau.

Este é o sonho de Salomão, filho de Davi, expresso em um dos salmos mais belos da Bíblia. Mas, veja bem. A essência e a força dos nossos melhores sonhos e utopias se confundem com o amor. Esse divino amor que constrói e que liberta a vida humana.

Já faz tanto tempo que escrevi uma série de sonhos, com base no amor. Em um deles registrei:
Quando a última taça de angústia
for despejada no caos escuro.
E a asfixia me ditar a morte.
E o mundo se equilibrar no colapso total.
Eu rirei do carrasco extenuado,
do falso deus sem força e sem futuro.
E cantarei meu credo ao sol perdido que jamais se perde:
eu creio na vida, no ser humano, na força do amor,
eu creio em meu Deus.

Você faria também seu o sonho deste credo?

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