A última ceia III

Ressurreição, dreamstime.com
Depois dessa enorme sequência de coisas estranhas, pensavam eles que nada mais de estranho poderia acontecer. Mas não foi verdade, algo ainda mais estranho de tudo que já tinham presenciado viria a seguir. Jesus ficou de pé, pegou um pão, agradeceu a Deus por ele, o partiu e deu um pedaço a cada um dos discípulos. Perplexos eles se perguntavam: — O que ele vai fazer agora? Jesus lhes disse, então: — Peguem e comam, este é o meu corpo que será quebrado por amor de vocês.

Mais perplexos ainda: — O que ele disse? Que esse pão era o corpo dele? Ele estava dando o seu próprio corpo para comer? Que paganismo é esse que contraria radicalmente a nossa lei? Moisés nos proibiu de comer vários animais porque eram impuros, que faria ele conosco se comêssemos carne humana? O que será de nós uma vez que o Império Romano pune com a morte quem pratica canibalismo.

Jesus aguça ainda mais a estranheza quando pega um cálice de vinho, agradece a Deus novamente e diz: — Bebam deste cálice, porque ele é o meu sangue derramado em favor de muitos para remissão de pecados. Este sangue sela um novo acordo entre Deus e os homens. Eu afirmo que nunca mais bebereis desse vinho, até quando eu beber com vocês o novo vinho no Reino de meu Pai. Podemos entender o quanto essas palavras eram subversivas. Todos ali eram judeus, e a simples ideia de tocar em sangue já fazia a pessoa se tornar imunda por semanas. Não se podia sem se comer carne mal cozida, porque ela continha sangue. A sugestão de beber o sangue era, desta forma, inconcebível. Beber sangue humano, então, é absolutamente impossível alguém supor.

Quando todos imaginavam que discutiriam a divisão de poderes em um reino de glória, Jesus os assalta com absurdos sem conta. Somente a loucura poderia fazer uma pessoa judia escandalizar sua religião desse jeito. Como se explica? Talvez esse radicalismo todo tenha uma finalidade clara. Era para nunca mais ser esquecido. Dali para frente, quem poderia esquecer o que ele fez? É para que nós lembrássemos mesmo. Era para que nos lembrássemos de que ele partiu seu próprio corpo e que derramou seu próprio sangue por amor a nós. Ele queria que tivéssemos sempre na memória a realidade do seu ministério, das suas palavras e do seu sacrifício.

Naquela noite, quando os discípulos comeram do pão e beberam do cálice se sentiram mais perto de Jesus do que nunca. Sentiram que faziam parte da vida de Jesus e que Jesus fazia parte da vida deles. Não tem explicação. Simplesmente aconteceu. Ele compartilhou a si mesmo, e não fez isso somente com suas palavras, seus milagres e suas atitudes, mas com o seu próprio ser, o que tinha de mais íntimo. O pão quebrado e o vinho derramado foram servidos a todos. Todo mundo estava em silencia. Não havia nada mais a dizer.

Foi aí que Judas se levantou e saiu. E pela porta aberta que deixou atrás de si, todos puderam ver a escuridão e a morte que esperava Jesus lá fora. Então, Jesus falou como nunca havia falado antes. Suas últimas palavras foram também o seu último esforço para ajudá-los a compreender a significação da sua vida. Elas eram comparáveis ao pão, ao vinho, ao corpo e ao sangue que ele havia lhes dado. Elas personificavam o corpo e o sangue das suas últimas preocupações para com aqueles que o seguiram. Sua voz agora era segura e profunda: Amem uns aos outros. Assim como eu os amei, amem também uns aos outros, Se tiverem amor uns pelos outros, todos vão saber que vocês são meus discípulos. Assim se levantaram, cantaram um hino e partiram para o Monte das Oliveiras.

Cada vez que repartirmos o pão e o vinho da ceia, vamos nos lembrar daquela noite que está gravada no mais profundo dos nossos corações. Se assim o fizermos sentiremos a presença dele. Jesus Cristo estará ali conosco. Não há como explicar, é preciso crer. Crer para que a realidade da vida de Jesus possa estar presente na nossa vida. Aí sim, perderemos o medo que temos de amar e de nos entregar. Deixaremos que ele nos lave os pés, comeremos do seu corpo e beberemos do seu sangue. Seremos seus discípulos e ele será o nosso Mestre.

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