A última ceia II

O Judas no Sábado de Aleluia, Debret
Seria muito fácil condenar a indecisão de Pedro no lavapés, que numa hora disse com convicção: nunca lavarás os meus pés, em outra hora disse: lave-me todo, se olhássemos somente para Pedro. Mas nos esquecemos de que, quem estava ajoelhado humildemente diante dele era o Rei dos reis, o Mestre dos mestres, o Senhor dos Senhores, aquele a quem ele mesmo havia chamado de o Cristo, o Filho do Deus Vivo. Então eu pergunto: qual seria a nossa reação quando testemunhássemos o maior de todos, aquele em quem depositamos a nossa esperança, a nossa segurança e a nossa vida fazendo a mais humilhante de todas as tarefas? Quais dúvidas e ressentimentos não nos assaltariam naquela hora?

Como a mente humana comum pode conciliar como simples e cotidiana a fusão dessas duas realidades conflitantes em uma mesma pessoa? Mesmo aquele que conhece o evangelho não tem essa capacidade, pois para ele não é Jesus quem tem todo o poder na Terra e nos Céus? Não é Jesus quem pode arregimentar, de uma hora para outra, doze legiões de anjos? Não foi Jesus quem disse para o vendaval emudecer e para o mar ficar quieto? Não foi ele quem ressuscitou mortos? Não foi ele mesmo que resplandeceu diante de Pedro, Tiago e João? Então, que visão posso eu ter agora, quando enxergo Jesus seminu, na minha frente tirando o meu calçado e lavando os meus pés sujos? Com que olhos eu o verei ajoelhado e humilde diante de mim? Pode ser que haja alguém tenha essa resposta, não sei, só sei que Pedro não a teve assim como eu não a tenho.

Depois de Jesus lavar os pés de cada um dos discípulos, sentou-se novamente à mesa. Mas agora, ninguém falava mais nada sobre qual seria a sua posição no Reino e nem que cargo teria na nova ordem. Para colocar um ponto final e definitivo nas expectativas de poder deles, Jesus continuou dizendo: — Vocês entenderam o que eu fiz? Vocês me chamam de “Mestre” e de “Senhor” e têm razão, pois eu sou mesmo. Se eu, o Senhor e o Mestre, lavei os pés de vocês, então vocês devem lavar os pés uns dos outros. Pois eu dei o exemplo para que vocês façam o que eu fiz. Eu afirmo a vocês que isto é verdade: o empregado não é mais importante do que o patrão, e o mensageiro não é mais importante do que aquele que o enviou. Já que vocês conhecem esta verdade, serão felizes se a praticarem.

Enquanto Jesus falava parecia que ele ficava mais angustiado e comovido. Parecia que ele estava sentido toda a dor do mundo. Ele olhou atentamente para cada um dos discípulos e em seguida fez a mais absurda de todas as declarações. Olhem o que diz João 13.21-22: Depois de dizer isso, Jesus ficou muito aflito e declarou abertamente aos discípulos: — Eu afirmo a vocês que isto é verdade: um de vocês vai me trair. Um por um, todos ficaram apavorados, porque seria realmente absurdo qualquer deles trair seu Mestre. Então eles olharam uns para os outros, sem saber de quem ele estava falando. A pergunta que circulou entre ele e que ficou pairando no ar foi justamente essa: Serei eu essa pessoa que vai traí-lo?

Para quem esperava grandes coisas parece que nada deu certo naquela noite. Primeiro o Senhor dos senhores se ajoelha e lava os pés de todos os seus discípulos. Isso nos assombra, porque não é normal alguém numa posição elevada fazer esse tipo de coisa. Depois, de olhos postos no horizonte ele diz que um de nós o trairia. Isso nos apavora, porque sabemos que somos fracos e que seria bem possível que o traíssemos.

Seria eu esse traidor? Seria de mim que Jesus estava falando? Nunca poderia acreditar que pudesse ser eu essa pessoa. Foi aí que eu comecei a pensar nas pequenas coisas em que eu tinha sido desleal e que nem me dei conta. Pensei nas quantas vezes eu quis largar o arado e olhar para trás. Pensei nas vezes que minha arrogância impediu que pessoas se encontrassem com o meu Mestre. Mas também tenho que confessar que até hoje eu não entendo muita coisa. Não sei como ele foi deixar aquela prostituta tocar nele. Não sei também por que ele foi curar logo o servo do centurião opressor. Não sei por que ele foi defender uma adúltera. Acho que até agora eu não entendi muito bem a profundeza do seu amor. Talvez por isso, eu não tenha praticado esse amor com os da igreja, e menos ainda com os de fora. (continua)

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