Vitória, ó Senhor, John Everett Millais |
Penso que, quando esquecemos os detalhes do que aprendemos nos bancos escolares e através da vida, o que sobra, com feição pessoal, pode ser chamado de nossa cultura. Assim também, quando não mais estamos presos aos detalhes das reflexões religiosas, às formulações doutrinárias ou às explicações dogmáticas, é então que podemos atingir o cerne mesmo da nossa fé. E descobrir que o que vale a pena é bonito, mas simples, muito simples: ternura, bondade, amor.
Volto mais
uma vez a esse belo e único salmo de Moisés que, como já foi visto, fala da
eternidade de Deus e da transitoriedade da vida humana. O grande líder de
Israel suplica a Deus em sua bela oração: ensina-nos a contar os nossos dias,
para que alcancemos coração sábio. Fica patente que Moisés quer sabedoria para
atingir, dentro da assustadora brevidade da existência humana, uma escala verdadeira
de valores.
Acredito
que, desse prisma maduro, não vale a pena morrer nem derramar sangue por causa
dos credos, que foram formulados pelos religiosos, no transcorrer da História.
Muito mais importantes são: o amor divino que Jesus encarna, o despojamento de
Buda, a entrega absoluta do Mahatma Gandhi à causa da paz, a pureza de São
Francisco de Assis. Qual a relação que esses pontos altos da vida humana podem
ter com os equívocos das Cruzadas e os crimes da Inquisição? Você já notou que
tentar explicar a fé é como dissecar a beleza da mosca azul? Basta usar essa
incrível massa cinzenta com que Deus nos dotou, ou exercer uma vida de
compaixão, para saber que nada disso vale a pena.
Também não
vale a pena dar livre curso aos nossos ódios e rancores; a vida é muito breve
para gastarmos um segundo que seja com paixões que terminam também por nos destruir.
Quando
morreu o poeta Menotti dei Picchia, Millôr Fernandes escreveu uma bela e
inteligente crônica. Confessou que se afastara do poeta por divergências no
campo das ideias. Mas, com Menotti já morto, concluiu que esses rancores
políticos nunca levaram a nada. Teria sido bem mais inteligente apenas admirar
o seu trabalho poético, que tem coisas belas como estas:
Sonhar é tão doce sonhar; a vida
nesta terra
vale a pena, talvez, pelo sonho que
encerra...
É preciso
lapidar o diamante da nossa vida. Um dia, porém, concluímos o que, para os
santos é natural como a respiração. Plantar uma árvore é mais importante do que
rezas mecânicas. Um abraço de amor vale mais do que a seriedade dos credos que
não convencem. E melhor um banho de cachoeira do que os batismos de um
formalismo sufocante. Preferível o palavrão que alerta às declarações
hipócritas de um amor sem futuro.
Tiago,
escrevendo sobre a religião verdadeira, é muito prático. O que ele pensa
poderia ser assim resumido: viver em bondade ativa, em ternura. Quem aceita que
Deus é amor, como afirma a Bíblia, não pode sonegar bondade aos que o cercam,
na caminhada de cada dia. Viver dessa maneira vale a pena.
Como
compreendeu Fernando Pessoa:
Tudo vale a pena, se a
alma não é pequena.
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