A sabedoria dos antigos

A casca de Charon, Luca Giordano
Todo mundo vê que até os sábios morrem, e morrem também os tolos e os ignorantes. E todos deixam as suas riquezas para os outros. As suas sepulturas são os seus lares perpétuos, onde eles ficam para sempre, ainda que tenham possuído muitas terras. Salmos 49.10-11

Quando voltamos a nossa atenção para o método de escolha do Canon bíblico, ou quando vamos além: quando atentamos para os critérios que escolheram os textos que compõem cada um dos seus livros nos deparamos com surpresas realmente instigantes. Tomemos o Salmo 49 como exemplo, o quanto os seus versos ele se assemelham às indagações levantadas pelos Provérbios e o quanto a sua mensagem é tão inquietante quanto à aridez embutida nas palavras do Eclesiastes. Ele não parece ser exatamente um salmo, pelo menos não o seria o mais recomendável para suprir a expectativa de ir ao encontro das nossas angústias e aflições. Curiosamente ele parece querer aumentá-las ainda mais.

Em um detalhe interessante que parece ter escapado da percepção da maioria dos tradutores que no texto em português optaram por usar a palavra parábola em vez da palavra provérbio, pois é nesse detalhe que o próprio salmista declara que a sua intenção era confundir, e não esclarecer, como ele apregoa: Vou dar atenção aos provérbios e, enquanto toco a minha lira, vou explicá-los. Ele confessa que pegou intencionalmente a sua lira, que era o instrumento usado para cantar um salmo, mas que ia por meio dela explicar o provérbio que apresentaria a seguir.

É sabido que tanto a escolha dos textos quanto à disposição deles na Bíblia guardaram uma distância considerável de tempo da época em que foram escritos, o que torna a sabedoria dos antigos quase tão remota para esses escritores, quanto para nós hoje. Pelo menos nisso estamos em pé de igualdade com os massoretas, que foram os fiéis compiladores do texto que temos hoje, pois frequentemente nos flagramos com a mesma perplexidade que eles tiveram, diante da riqueza da contribuição daqueles que levaram a Palavra de Deus a sério e a deixaram incólume para a humanidade.

Deixem-me fazer uma pergunta: qual seria a razão da nossa perplexidade diante dessa possível confusão que fez o salmista? Não seria a hipocrisia dos nossos critéris um dado que o salmista não daria a menor atenção? Temos critérios absurdamente idiotas no nosso cotidiano. É expressamente proibido se falar em morte para alguém doente. Um pastor que usa a palavra separação em uma cerimônia de casamento está sumariamente condenado ao inferno. Isso para não entrar no politicamente correto que é uma idiotice maior ainda.

Se me fosse dado o privilégio de descrever o contexto desse salmo, eu diria que ele se passa em uma festa opulenta em que tanto os anfitriões quantos os convidados estavam se refestelando sem que houvesse amanhã. Para mim seria esse o ambiente ideal para que o profeta lírico de Deus lançasse a sua mensagem inquietante e desafiadora. Para que o arauto do Altíssimo denunciasse a injustiça social, e ao mesmo tempo prevendo as vicissitudes do vazio para onde essa injustiça estava os estava arrastando implacavelmente.

Definitivamente era esse a diferença entre os pregadores antigos e nós, os de hoje. Para eles não havia um ambiente que não fosse suscetível a uma intervenção divina, mesmo que as circunstâncias se apresentassem contrárias. Era exatamente isso que o grande John Wesley exigia dos seus pregadores: Pregue expressamente em favor da educação. Com dom ou sem dom tens que fazê-lo; de outra forma não estás chamado a ser um ministro de evangelho.

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