400 contra 1

Elias  no Monte Carmelo, William Brassey
Disse, porém, Josafá, rei de Judá: Não há aqui ainda algum profeta do Senhor para o consultarmos?  Respondeu Acabe, rei de Israel, a Josafá: Há um ainda, pelo qual se pode consultar o Senhor, porém eu o aborreço, porque nunca profetiza de mim o que é bom, mas somente o que é mau. Este é Micaías, filho de Inlá. Disse Josafá: Não fale o rei assim.  Leia I Rs 22,1-37  ou II Cr 18,1-34 

Quem leu a introdução da mensagem anterior, que dizia que eu não costumo andar atrás de textos complexos da Bíblia para comentá-los no blog, esqueça. Este texto eu realmente fui buscar dentre os mais complexos. No entanto, não é a primeira narrativa de um embate entre profetas nesta desproporção. Elias sozinho já havia confrontado os quatrocentos e cinquenta profetas de Baal, no monte Carmelo. Mas o que torna interessante o assunto deste texto é que Micaías, profeta de Judá, confronta-se com profetas de Israel, que supostamente teriam que falar em nome do mesmo Deus, e não de um Deus estrangeiro, como foi o confronto de Elias.

Interessante também é a integridade da palavra do profeta de Judá, pois ele não obteve crédito algum quando tentou mudar o sentido da sua pregação, mesmo que essa nova palavra estivesse consoante à palavra dos profetas de Israel, e fosse exatamente tudo o que Acabe gostaria de ouvir naquela hora. Ao ouvi-la, talvez pela primeira vez uma profecia de Micaías favorável a si, o rei de Israel imediatamente conjurou-o a falar a verdade.

Podemos tirar algumas conclusões do texto. A primeira delas é que a maioria as pessoas que se deixa enganar pelos falsos profetas, o faz por puro interesse pessoal, e não por acreditarem piamente na sua palavra. No fundo, elas sabem quem de fato está com a verdade, porque a verdade de Deus se evidencia sobremaneira perante as demais. Certa vez levei uma pessoa amiga que era, e ainda é ateia convicta, a uma audição de Natal do coral, a qual eu comprometia seriamente com a minha participação. No final, além de dizer que gostou muito, ela também me disse: Você sabe que eu não acredito em Deus, mas as pessoas da sua igreja tem um brilho diferente, uma expressão de alegria que eu não vejo no rosto das outras pessoas. Respondi para ela: Quem está do lado da verdade tem consciência disso. Da mesma forma, quando debandamos para o lado da mentira, mesmo que esta seja um consenso, algo no nosso coração nos diz que estamos do lado errado.

Não faz muito tempo as pessoas tinham orgulho da denominação a qual se filiavam. Até mesmo os católicos falavam de sua igreja com brilho nos olhos. Depois de tantos escândalos, perversões e fraudes descobertas, as pessoas estão preferindo dizer simplesmente que são cristãs. Não é sem uma causa justa, que a designação de evangélico está sendo omitida, em vez disso os crentes tradicionais optaram por se chamarem protestantes. Ou seja, fazem um esforço enorme para reafirmarem que nem ele, e nem a sua igreja, fazem parte mar de lama, ao qual boa parte do Cristianismo está se vendo envolvida, tanto pela mentira dos falsos profetas, quanto pela vontade própria.

Uma segunda conclusão pode ser extraída da visão de Micaías. De acordo com a cosmo visão da época, que tinha Deus como soberano em uma corte de ministros, prontos a executar qualquer dos seus mandatos. Assim Micaías o via, acionando seus mensageiros para que sua Vontade fosse cumprida. Algo muito parecido com a participação de Satanás na história de Jó. Para levar a cabo seu intento, Deus enviou o ministro da enganação, que através de uma falsa promessa deu a Acabe um fio de esperança, em uma vitória que se anunciava improvável. O profeta, influenciado que estava por este juízo, entendeu que a vontade de Deus, era que efetivamente Acabe fosse à guerra, e nela viesse a morrer. Todos estes argumentos são uma tentativa de dar ao episódio uma explicação teológica razoável, ainda que esta esteja comprometida por uma representação contextual de Deus. É uma tentativa de preservar a soberania de Deus na História, em meio à ação concreta dos profetas, à complexidade dos fatos e às motivações humanas.

Se fôssemos fazer uma interpretação mais atualizada, diríamos que, ao enviar os seus profetas, Deus permite que surjam também os falsos profetas, e permite que o homem engane a si mesmo, seguindo aquilo que o seu coração mais deseja. Através destes artifícios o texto tenta nos mostrar o que de certo e permanente existe na visão de Micaías: A incerteza que habita o coração daquele que se deixa guiar por qualquer espírito, e o quanto são enganosos os desejos do nosso coração. O texto nos alerta também quanto ao engodo que há por trás das bajulações, assim como exige de nós constante vigilância em discernir espíritos.

Neste, como na maioria dos casos, a voz do povo não foi a voz de Deus. O texto Bíblico está constantemente nos alertando, contra o risco que assume a sua igreja quando faz coro com a maioria do povo. Devemos sempre nos lembrar de que em um dos momentos cruciais da nossa fé, quando a multidão vociferava exigindo a crucificação de Cristo, poucos guardavam a verdade. Não importa se quatrocentos repitam quatrocentas mil vezes a mesma mentira, ela será sempre uma mentira. Mais uma vez conclamo a igreja para que analise com atenção, as propostas que o mundo nos oferece através da Rio + 20.


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