O julgamento de Salomão, Nicolas Poussin em 1649 |
Concede ao rei, ó
Deus, os teus juízos e a tua justiça, ao filho do rei. Julgue ele com justiça o
teu povo e os teus aflitos, com equidade. Leia Salmos 72
Texto do rev. Jonas Rezende.
Texto do rev. Jonas Rezende.
Poucas vezes Jesus de Nazaré disse tanto em uma frase tão
curta. Em seu principal depoimento, conhecido como o Sermão da Montanha, o
mestre provocou um forte impacto em seus ouvintes, quando advertiu: não julguem.
Imagino que ele fez uma pequena pausa para que todos digerissem seu imperativo
calcado no absoluto bem senso. E aí completou seu pensamento: não julguem, para
que não sejam julgados. Com o mesmo critério que vocês julgarem os outros,
também serão julgados, e com a mesma medida que usarem, também medirão vocês.
A partir desse ponto, o seu discurso se dirige a uma única
pessoa e atinge toda a força quando ele encerra essa parte do sermão dizendo: hipócrita,
tire primeiro a trave do seu olho para depois retirar o cisco que está no olho
de seu irmão.
O salmo que agora merece a nossa atenção foi escrito pelo
rei Salomão, filho de Davi. E já na sua abertura o poeta parece sobrecarregado
com a necessária tarefa de ser juiz do seu povo, e busca a força de Deus em
oração: concede ao rei que julgue com justiça... Julgue ele os aflitos do povo,
salve os filhos dos necessitados e esmague ao opressor.
A preocupação do salmista é fruto da sua sensibilidade e tem
linhas convergentes com a advertência de Jesus, tantos anos depois. Ao
contrário de nossas inevitáveis impressões, o julgamento impiedoso é sempre um
autojulgamento. Quem julga, se julga, se expõe. Porque, como estabelece o povo
em sua sabedoria de vida, as aparências enganam. Há palavrões que são ditos
afetivamente, e confissões de amor que não passam de um escárnio. Basta lembrar
o beijo de Judas. Poe esta razão, a teoria de Lombroso não prosperou. Há
dignidade e beleza por trás do rosto carrancudo de Beethoven. E quanta maldade não
está camuflada pela beleza de Dorian Grau, de Oscar Wilde?
O salmista estava coberto de razão para pedir a sabedoria em
seus julgamentos, porque os nossos conceitos também são falhos. Saindo do
âmbito das verdades que consideramos reveladas, tudo é relativo e cultural.
Conceitos de amor, de beleza, de pudor mudam no tempo e no espaço, isto é, nas
diferentes épocas e lugares. E não convém mencionar aqui a perspectiva pessoal,
na elaboração dos nossos conceitos.
Como não reconhecer também as falhas do próprio ato de
julgar? Como avaliar a liberdade dos seres humanos e a sua consequente
responsabilidade; o que escapa dos condicionamentos sociais e da nossa herança
biológica hereditária?
Na antiga China, os juízes eram tão escrupulosos como o
nosso sábio salmista. Purificavam-se com jejuns e outras práticas, vários dias
antes do julgamento. Às vezes pediam novos prazos, e com frequência absolviam o
réu, se sobrasse alguma dúvida, porque era inadmissível condenar um inocente.
Salomão, falando de si mesmo, diz que o juiz acode o
necessitado que clama, também ao aflito e ao desvalido. Tem piedade dos fracos
e necessitados e salva a alma dos indigentes.
E nós? Evitamos julgar? Seguimos a advertência de Jesus e
buscamos a sabedoria do salmista?
Não podemos ser levianos. Apenas Deus sabe a
Relação correta entre liberdade e responsabilidade.
Deixemos então o julgamento do mundo e do outro nas
mãos de Deus. São boas mãos. É terrível ser chamado
de hipócrita por Jesus, você não acha?
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