Abraão e os três anjos, Arente de Gelder |
Embora sem cobrir em todos os sentidos o que consideramos hoje como direito, o mispat hebraico corresponde bem aos seus elementos fundamentais. O mispat é a decisão promulgada de quem tem o poder o poder de pronunciar um julgamento, isto é, pelo detentor reconhecido da autoridade. No plural esta palavra é frequentemente associada a todas que designam as ordens, os mandamentos, as prescrições e os decretos. Em linguagem jurídica, ela define as diversas formas do poder. Muito naturalmente ela foi se tornando Lei de Deus, já que, em virtude da Aliança, ela passa a ser confundida com a própria vontade de Deus, daí a ter se tornado sagrado, embora ultrapasse os limites religiosos e englobe a existência inteira.
A Onipresença da vontade divina no direito de Israel nunca
pareceu excepcional aos olhos do Primeiro Testamento, pois era o fator que
distinguia seu povo dos demais. Nenhuma das grandes nações que dominaram o
mundo tinha recebido de seus deuses um direito tão justo como o de Iahweh.
Através da Bíblia, a associação de direito e justiça assinala a presença
constante de uma consciência superior. É essa a pregação dos profetas: Jr 9.23s
- Assim diz o SENHOR: Não se glorie o sábio na
sua sabedoria, nem o forte, na sua força, nem o rico, nas suas riquezas; mas o
que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR e
faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado,
diz o SENHOR. Quem fixa o direito sobre toda a terra não será jamais capaz
de violá-lo: Ex 18.25 - Longe de ti o
fazeres tal coisa, matares o justo com o ímpio, como se o justo fosse igual ao
ímpio; longe de ti. Não fará justiça o Juiz de toda a terra?
Um capítulo à parte define o direito do pobre. A conexão direito-justiça
parece natural, então, o que seria um direito que menosprezasse a justiça? Ou
uma justiça que não garantisse o direito? Neste caso específico, a justiça não
consiste em repeitar uma norma, por mais perfeita que seja, nem mesmo garantir
a igualdade de chances. Esse direito precisa descobrir antes as precisões
verdadeiras de cada um, e a exata atenção que lhe deve ser dispensada. Esta
parte da necessidade do pão, e só é levada adiante quando tiver respondido a
esse desafio. Esse direito concede, em primeiro lugar, o benefício a quem nãom
está em condição de se socorrer, os pobres e os flagelados pela infelicidade: Isaías
10.1s - Ai dos que decretam leis
injustas, dos que escrevem leis de opressão, para negarem justiça aos
pobres, para arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo, a fim de despojarem
as viúvas e roubarem os órfãos!
O horizonte do
Segundo Testamento é muito diferente. Mesmo que a justiça tenha um lugar
importante, o direito se esquiva dela, pois o povo de Deus não é mais um povo
política e socialmente estruturado como nação. A epístola de Tiago é a que mais
se aproxima da pregação profética com relação ao direito dos pobres. O único
texto que se baseia no mispat é uma
fórmula que em Jesus se define com três palavras: krisis = direito, eleos =
bondade e pistis = fidelidade. Isso
prova que Jesus dá valor à insistência do Primeiro Testamento no direito.
A determinação do
direito não cabia mais às autoridades constituídas pelo povo, e sim pelos povos
que dominavam Israel. Ainda assim, esse direito se manifestava em termos
práticos: Mt 7.12 - Tudo quanto,
pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque
esta é a Lei e os Profetas.
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