Sermão da Montanha, Ferenczy Károly em 1896 |
A bem-aventurança tem dois elementos: o louvor de uma
pessoa, eventualmente um membro do corpo, e a motivação, a virtude, ou um estado
em que se encontra tal pessoa. No Segundo Testamento essa virtude geralmente
tem relação com a fé, ou com a vida conforme a fé. O Apocalipse traz no início
e no fim uma bem-aventurança daqueles para aqueles aceitam e guardam a
revelação dos segredos de Deus, com vigilância em vista da parusia e com
fidelidade.
Essas bem-aventuranças do Segundo Testamento são mais do que
uma auspiciosa predição do futuro, elas revelam também o valor do presente. O
Reino de Deus supera todos os bens e valores terrestres. As bem-aventuranças do
Segundo Testamento contêm, por isso, muitas vezes paradoxos, que mais de uma
vez corrigem as concepções falsas e o efeito retórico das citações que eram concebidas
na inversão do julgamento humano.
Também as conhecidas oito bem-aventuranças do Sermão da
Montanha são compostas de dois elementos paradoxais: determina a condição que
leva à cidadania do Reino de Deus e acentua a disposição interna: pobre de
espírito; puro de coração; fome da justiça. A condição é de ordem moral e o
céu, por isso, é prometido como recompensa futura. Em Lucas, que fala na segunda
pessoa, a bem-aventurança tem antes o sentido de uma consolação escatológica
para pessoas que vivem num estado digno de compaixão, como os pobres, famintos,
tristes e odiados. Ambas as formas, tanto a forma catequética de Mateus, como a
do tipo sapiencial de Lucas, supõem evidentemente a mesma mensagem messiânica
de Jesus: que nele se realizou o que já fora predito pelo profeta Isaías, que
os pobres, os necessitados e os famintos receberiam a salvação messiânica, e que
ele, por conseguinte, era o Messias prometido.
Esse sentido cristológico da mensagem não foi evidenciado
por Lucas. O que lhe chamou particularmente a atenção foi que os infelizes de
agora serão recompensados no além; isso se mostra ainda mais claramente no
segundo quadro, paralelo ao primeiro, onde ele acrescenta que os ricos e
felizes deste mundo não terão parte naquela salvação. Essa formulação foi influenciada
provavelmente pelo fato de que a prosperidade de muitos infiéis criava um
problema para os fiéis necessitados. Mateus põe as bem-aventuranças em harmonia
com todo o seu Sermão da Montanha, do qual fazem parte, apresentando-as como
uma exortação à perfeição. Como bom pastor de almas, Mateus quer propor aos
seus leitores um ideal ético.
A respeito do número de bem- aventuranças há discussão.
Mateus usa o termo nove vezes. Agostinho contava apenas sete bem- aventuranças.
Lagrange reconhece a possibilidade do número sete ser o original. Muitos,
porém, consideram como autênticas apenas as quatro que Mateus têm em comum com
Lucas. As outras de Mateus, bem como os quatro “ais” de Lucas deveriam ser
palavras de Jesus, mas que teriam sido preferidas por ele em outras ocasiões.
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