O que é BEM-AVENTURADO?

Sermão da Montanha, Ferenczy Károly em 1896
Para os gregos da antiguidade ser bem-aventurado, naxáçioç, significava estar livre de sofrimentos e preocupações; bem-aventurado era por excelência o predicado dos deuses. Também para o judeu ser bem-aventurado consistia em bem-estar material, mas como recompensa da fiel observância da Lei. Para o cristão, porém, o termo representa uma felicidade espiritual, que provém exclusivamente da sua convicção de fazer parte do Reino de Deus. A bem-aventurança do Primeiro Testamento pertence, portanto, à literatura sapiencial. A do Segundo Testamento, pelo seu matiz escatológico, consequência da sua ligação com a ideia do Reino de Deus, tem o seu lugar, sobretudo nos sinóticos e no Apocalipse.

A bem-aventurança tem dois elementos: o louvor de uma pessoa, eventualmente um membro do corpo, e a motivação, a virtude, ou um estado em que se encontra tal pessoa. No Segundo Testamento essa virtude geralmente tem relação com a fé, ou com a vida conforme a fé. O Apocalipse traz no início e no fim uma bem-aventurança daqueles para aqueles aceitam e guardam a revelação dos segredos de Deus, com vigilância em vista da parusia e com fidelidade.

Essas bem-aventuranças do Segundo Testamento são mais do que uma auspiciosa predição do futuro, elas revelam também o valor do presente. O Reino de Deus supera todos os bens e valores terrestres. As bem-aventuranças do Segundo Testamento contêm, por isso, muitas vezes paradoxos, que mais de uma vez corrigem as concepções falsas e o efeito retórico das citações que eram concebidas na inversão do julgamento humano.

Também as conhecidas oito bem-aventuranças do Sermão da Montanha são compostas de dois elementos paradoxais: determina a condição que leva à cidadania do Reino de Deus e acentua a disposição interna: pobre de espírito; puro de coração; fome da justiça. A condição é de ordem moral e o céu, por isso, é prometido como recompensa futura. Em Lucas, que fala na segunda pessoa, a bem-aventurança tem antes o sentido de uma consolação escatológica para pessoas que vivem num estado digno de compaixão, como os pobres, famintos, tristes e odiados. Ambas as formas, tanto a forma catequética de Mateus, como a do tipo sapiencial de Lucas, supõem evidentemente a mesma mensagem messiânica de Jesus: que nele se realizou o que já fora predito pelo profeta Isaías, que os pobres, os necessitados e os famintos receberiam a sal­vação messiânica, e que ele, por conseguinte, era o Messias prometido.

Esse sentido cristológico da mensagem não foi evidenciado por Lucas. O que lhe chamou particularmente a atenção foi que os infelizes de agora serão recompensados no além; isso se mostra ainda mais claramente no segundo quadro, paralelo ao primeiro, onde ele acrescenta que os ricos e felizes deste mundo não terão parte naquela salvação. Essa formulação foi influenciada provavelmente pelo fato de que a prosperidade de muitos infiéis criava um problema para os fiéis necessitados. Mateus põe as bem-aventuranças em harmonia com todo o seu Sermão da Montanha, do qual fazem parte, apresentando-as como uma exortação à perfeição. Como bom pastor de almas, Mateus quer propor aos seus leitores um ideal ético.

A respeito do número de bem- aventuranças há discussão. Mateus usa o termo nove vezes. Agostinho contava apenas sete bem- aventuranças. Lagrange reconhece a possibilidade do número sete ser o original. Muitos, porém, consideram como autênticas apenas as quatro que Mateus têm em comum com Lucas. As outras de Mateus, bem como os quatro “ais” de Lucas deveriam ser palavras de Jesus, mas que teriam sido preferidas por ele em outras ocasiões.


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