Francisco preparando o presépio em Greccio, Giotto 1297 |
Lc 2 - E isto vos servirá de sinal: encontrareis uma criança envolta em faixas e deitada em manjedoura. Lc 2.16 - Foram apressadamente e acharam Maria e José e a criança deitada na manjedoura. Esses são três argumentos que servem para nos dar a certeza de que Lucas acentua muito mais o fato de Jesus ao nascer ter sido colocado em um local exclusivamente destinado para uso animal como uma denúncia ao descaso vil e descabido para com a vida humana, do que propriamente, como avaliamos hoje, uma descrição de uma tranquila cena pastoril.
Mais tarde foi atribuída a Francisco de Assis a representação que se perpetuou ao longo dos séculos, onde se pode ver na mesma cena reis e pastores, pessoas e animais, homens e anjos, céus e terra. Um quadro vivo que atravessa gerações para mostrar que a verdadeira intenção deste santo era proclamar através desse seu belo e mudo sermão que a necessidade do diálogo entre as religiões, entre as classes sociais e a preocupação com os seres de outras espécies e com a própria natureza já era urgente desde o seu tempo.
A manjedoura tem permanecido como um dos símbolos mais fidedignos do Natal, ainda que na sua essência negue radicalmente os outros vários outros símbolos criados pela subversão que nós humanos criamos para este data. A manjedoura afronta as mesas fartas, os presentes caros, a sensibilidade momentânea e, se formos mais criteriosos colocaríamos o “bom velhinho” Papai Noel também nesse imbróglio.
Mas o que foi de fato a manjedoura de Jesus? Era o coxo onde comiam os animais que serviam os homens. A palavra podia significar um pequeno local da casa que era reservado para confinamento desses mesmos animais. Porém, quando não fazia referência às humildes casas dos camponeses, casas essas que possuíam apenas um cômodo, a palavra poderia significar também estábulo. Por mais que se façam definições, nunca se pode deixar de lado a ideia de um local infectado por restos de comida, excremento de animais e completamente impróprio para um ser humano, quanto mais um recém-nascido.
Além do evangelista Lucas e de Francisco de Assis, a história cristã registra também as denúncias proferidas através dos incansáveis sermões de um dos maiores conhecedores do texto bíblico da sua época, e o principal responsável pela sua tradução para o latim, na versão que é conhecida hoje com Vulgata, São Jerônimo. Este incontestável mestre da doutrina cristã denunciou com veemência a situação política e econômica do tempo em que viveu, a partir da mensagem simples do Natal: Trocamos a significação humilde que a manjedoura de madeira e barro veio trazer pela suntuosidade de manjedouras feitas com ouro e prata, dizia ele desta heresia contra a mensagem do Natal, ao qual chamou de luteum illud praesepium, ou amarelo presépio ilusório.
Em um dos seus sermões mais contundentes o meu mentor e co-escritor das mensagens deste blog, o rev. Jonas Rezende, disse: Somos totalmente tocados pela imagem de uma criança feita de barro numa cena fictícia de um passado distante e de um local desconhecido, porém, somos completamente insensíveis às crianças de carne e osso que dormem, mesmo nos dias mais frios, debaixo de nossas marquises.
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