São Tomé da dúvida

Martírio de São Tomé, P.P. Rubens em 1638

Em verdade, em verdade te digo que, quando eras mais moço, tu te cingias a ti mesmo e andavas por onde querias; quando, porém, fores velho, estenderás as mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres. João 21.18

Hoje é o dia que a Igreja reverencia um dos santos apóstolos cujas referências pessoais são das mais curiosas, e cujo exemplo de vida um dos mais instigantes. Uma corrente de pensamento menos esclarecida diria que hoje é dia de São Tomé, o padroeiro dos incrédulos. Porém, embora este pensamento esteja mais próximo de ser considerado uma piada de mau gosto do que propriamente um paradoxo herético, nem tudo nele pode nem deve ser descartado. Existem situações da existência humana, bem como experiências de fé, como a do seu colega, o também apóstolo João, que nos revelou neste descontextualizado versículo supracitado, uma dessas situações de pessimismo que é ao mesmo tempo tão revoltante, quanto preocupante.

Sem querer emitir qualquer sugestão ao complexo mecanismo com que nossos irmãos católicos fazem o reconhecimento da influência benéfica dos santos cristãos nos países, estados, cidades, profissões etc, em uma análise superficial das características do santo do dia, diria que, pelo menos em nosso país, este é o santo talhado para ser o padroeiro dos aposentados. Não me passa pela mente uma associação mais pertinente do que a desconfiança esperançosa de Tomé com a epopeia vivida pelos aposentados e pensionistas nesse nosso país.

Ainda esta semana, mais precisamente no último primeiro de julho, cerca de duzentos aposentados fizeram uma manifestação no Centro da cidade do Rio de Janeiro. Ruas foram fechadas, o trânsito foi desviado e lá compareceram não mais que duzentos, e os não duzentos mil aposentados que eram esperados. Ao que parece, nem mesmo o clima de euforia pela expectativa de mudanças que se instaurou no Brasil, pôde criar sequer um novo alento nessa multidão que vaga pelos corredores da previdência em busca de justiça. Nem são Pedro foi solidário ao movimento, pois choveu durante a maior parte do percurso. A precariedade com que os aposentados e pensionistas são assistidos, os fez chegar à atitude desesperada de eleger um senador do PT como seu padroeiro. O que notoriamente não tem dado qualquer resultado prático.

Não faz muito tempo, ouvi o desabafo de um pastor jubilado (pastores aposentados preferem ser chamados assim), que recebeu o título de pastor emérito na Igreja, a qual dedicou a maior parte do seu ministério ativo. Dentre as suas queixas estava o fato de ser lembrado apenas em ocasiões especiais ou no impedimento dos demais pastores. Pastor emérito? Parece até que estou morto! Dizia ele.

A questão da velhice já era uma grande preocupação numa época em que a obrigatoriedade de zelar pelo idoso era uma importante lei do Decálogo. A tradição judaico-cristã costuma dizer que honrar com bens materiais e dar assistência contínua ao pai e à mãe idosos é o primeiro mandamento que contém uma promessa de retribuição que somente o próprio Deus pode fazer se cumprir.

O que diria João quando constatasse que o seu pessimismo não apenas se concretizou, mas que foi elevado a uma potência absurda? Como se sentiria Tomé ao ver que a sua incredulidade foi instaurada, não mais em uma questão específica de fé, a qual existem muitos que até hoje ainda não creem, mas nos elementos mais fundamentais da sobrevivência?

Que a cristandade ao celebrar o dia de um discípulo de Jesus que não se convenceu apenas com evidências, mas que exigiu apalpar a realidade com as suas mãos, possa tê-lo como exemplo de que as grandes conquistas são experimentadas, antes do que efetivamente concretizadas. Que dele nos venha o sinal de que podemos gloriosamente negar o pessimismo do evangelista, fazendo com que, no Brasil que se espera, tanto os jovens quanto os velhos possam igualmente chegarem aonde pretendem.

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