Por que a nós?

Disse-lhe Judas (não o Iscariotes): Senhor, de onde vem que te hás de manifestar a nós e não ao mundo? João 14.22
A Última Ceia, Pavel Popov (?)
De onde vem? De onde procede? Como será possível? Por que razão? Esta variedade de traduções tiradas de versões diferentes da Bíblia mostra que a pergunta de Judas foi bem mais complexa do que do que os tradutores conseguiram, tanto assimilar para si, quanto transmitir para nós. Qualquer discípulo sério de Jesus, seja na antiguidade ou na atualidade, tem que se fazer constantemente a pergunta que Judas faz a Jesus: Qual seria a razão plausível que teria a capacidade de sensibilizar o coração de Deus de tal modo, para que ele se manifestasse com exclusividade a um grupo tão restrito, inconstante e que quase na totalidade das vezes interpreta errada ou ambiguamente o propósito final da sua manifestação?

Ao que parece, o próprio Jesus não fez muito esforço para dar uma resposta definitiva à pergunta, pois ele continuou batendo na mesma tecla, ou seja, condicionando o amor dos discípulos para com ele à preservação integra das suas palavras.

Ao que perece também, não era tão importante, para Jesus, que os discípulos entendessem a razão da escolha, por que essa escolha não se dava pelo entendimento do conjunto dos propósitos de Deus, mas pelo amor de Deus para com aqueles que, mesmo sem entender completamente os motivos, a despeito das consequências, mais do que a própria vida, conservava inalterada no coração a mensagem do evangelho.

Torna-se curiosa a narrativa de João, ou pelo menos as traduções que se fizeram dela, que o discípulo que faz a pergunta é propositalmente identificado como não sendo Judas Iscariotes, em uma tentativa clara de discriminá-lo e descredenciá-lo. Convém lembrar que as palavras que aparecem entre parênteses nas traduções da Sociedade Bíblica do Brasil, não são encontradas em todos os manuscritos, fazendo-nos crer que o traidor, que nesta altura, segundo Lucas, já estava possuído pelo Diabo, não reuniria condições espirituais para tão louvável questionamento. Uma vez que João em seu evangelho não faz qualquer menção sobre a existência de outro Judas no grupo de Jesus, fico a imaginar se a discriminação não foi um acréscimo à versão original do fato narrada por João, forjada por quem não julgava Judas merecedor de receber qualquer revelação de Deus. 

Tenho pra mim que foi justamente esse o sentimento indevido de orgulho que Jesus tentou evitar quando foi evasivo na sua resposta. Jesus, de forma alguma, teve a intenção de fazer com que as manifestações de Deus se restringissem a um seleto grupo, pelo contrário. Ele disse que deveríamos ser imensamente gratos a Deus, porque não fomos escolhidos por mérito, mas pelo amor que é sem medida, que recai indistintamente sobre bons e maus, e que alcança gratuitamente a justos e injustos.

A pergunta de Judas, seja ele o Iscariotes ou não, deve ser sempre repetida porque ela nos traz essa dúvida constante sobre o por quê Deus nos ama tanto, quando, na realidade merecemos tão pouco. Essa é razão, se assim podemos chamar, pela qual a revelação de Deus foi dada a nós e não ao mundo. Ela nos foi dada para que fizéssemos dela um presente de Deus para o mundo. Paulo nos alerta da urgente necessidade de entregarmos tal presente, porque, segundo o seu inspirado entendimento: Sabemos que até agora o Universo todo geme e sofre como uma mulher que está em trabalho de parto. E não somente o Universo, mas nós, que temos o Espírito Santo como o primeiro presente que recebemos de Deus, nós também gememos dentro de nós mesmos enquanto esperamos que Deus faça com que sejamos seus filhos e nos liberte completamente. (Rm 8.22s)

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