Qual é o meu dom?

Jesus ensinando na sinagoga, Tissot,1894
Com toda certeza esta não é a primeira pergunta que fazemos logo após termos recusado um desafio sob a alagação que não possuir o dom para tal. Sabemos muito bem quais não são os nossos dons, porém, quase nunca afirmamos com convicção plena ser este ou aquele. Paulo, o apóstolo, usa quase a metade da primeira Carta aos Coríntios para descrever, qualificar, quantificar e hierarquizar os dons concedidos pelo Espírito de Deus. Mesmo que tenha gastado um tempo enorme para fazê-lo, parece que faz questão de jogar fora todo o seu esforço, ao afirmar que o amor não é apenas o dom supremo, e que, na realidade, é o único que conta. Ele o faz de forma hiperbólica, trazendo à baila exemplos extremos de doação, voluntariedade e despojamento. Ele diz simplesmente que os dons do conhecimento, da profecia e da linguagem inteligível se tornam inconsequentes se não tiverem o amor como base.

Diz também que o altruísmo e o sacrifício voluntário se não forem motivados pelo amor, para nada servirão. Para o nosso desespero, Paulo relativiza de uma vez para sempre tudo aquilo que julgamos ser de suma importância para a nossa atuação em favor do Reino de Deus. Resta para nós a seguinte pergunta: O que fazer quando não temos o dom? Não tenho resposta para noventa e nove por cento dos casos onde ela pode ser aplicada. Não sei, por exemplo, o que fazer quando a necessidade de cura é imediata e extrapola a minha capacidade de orar. Não sei como e nem quando interpretar as inúmeras mensagens que se mostram complexas. Não tenho e nunca tive a capacidade de realizar milagres. A verdade é que não tenho esses dons e definitivamente não me atrevo a exercê-los publicamente. Contudo, existe uma verdade maior que a minha que diz que existem certas coisas que tenho necessária e obrigatoriamente que fazer, quer tenha, quer não tenha dom para tanto.

John Wesley disse certa vez: Pregue expressamente em favor da educação. Com dom ou sem dom tens de fazê-lo; de outra forma não estás chamado a ser um pregador metodista. Não sou pastor metodista, mas não vejo como escapar desta obrigação. Jesus disse que a liberdade é conquistada através do conhecimento: Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. (Jo 8.32) O caminho para o Reino passa obrigatoriamente pela formação intelectual do indivíduo. Era fato comum até o início do século passado, que quando um pastor metodista ao chegar a uma cidade em que não houvesse igreja metodista, que ele tivesse por meta construir uma escola, antes do templo ou da casa pastoral.

Outra prática que nos é exigida explicitamente com ou sem dom é a prática do perdão. Em seu sermão de 1929, o rev. Martin Luther King nos dá um completo esquema de como fazer isso bem. Respondendo a pergunta de por que devemos perdoar os nossos inimigos, ele diz: Podemos compreender agora o que Jesus pretendia quando disse: "Amai os vossos inimigos". Deveríamos sentir-nos felizes por Ele não ter dito: "Gostai dos vossos inimigos". É quase impossível gostar de certas pessoas; "gostar" é uma palavra sentimental e afetuosa. Como podemos sentir afeição por alguém cujo intento inconfessado é esmagar-nos ou colocar inúmeros e perigosos obstáculos em nosso caminho? Como podemos gostar de quem ameaça os nossos filhos ou assalta as nossas casas? É completamente impossível. Jesus reconhecia, porém, que o amar era mais do que o gostar. Quando Jesus nos convida a amar os nossos inimigos, não é ao eros nem à philia que se refere, mas ao ágape, compreensiva e fecunda boa vontade redentora para com todos os homens. Só quando seguimos esse caminho e correspondemos a esse tipo de amor, ficamos aptos a ser filhos do nosso Pai que está nos céus.

Bom, parece que o meu dom de argumentação também não vai muito mais longe, mas pode ser também que eu descubra, mais para frente, outros elementos que devessem constar dessa meditação. Por conta disso, em vez de colocar o angustiante “(continua)”, vou ser mais cruel do que nunca: (continua, só não sei quando). 

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